Brasil cumprem os seus deveres em nossa amizade, em quanto a ambição e perfidia dos nossos os não obrigam a vingar suas offensas; e apezar mesmo de sua habitual barbaridade nós lhes devemos grandes serviços pela sua poderosa coadjuvação em muitos lances de aperto; lerse-hão sempre nas paginas da Historia Brasileira, com respeito e admiração, os nomes de um Tyberiçá, pelo que fizera em nosso favor nos campos de Pyratininga; de um Araraigboia, nas matas do Espirito-Santo, e nas praias de Nitheroy; de um Camarão nas planicies de Pernambuco, e de outros muitos Indios de fidelidade, brio, e valor, igual ao dos nossos heróes, a cujo lado combatêram. Eu disse que cumpria aproveitar tantos filhos das brenhas, que ainda existem nos sertões do Brasil, e empregar o maior desvelo na educação de seus filhos, por que destes é mais possivel esperar o adiantamento da sua civilisação. Mas para se conseguir estes dous fins são precisas algumas disposições, que passo a lembrar. Primeiramente: o ensino da lingua dos Indigenas é indispensavel á sua cathequese; e a experiencia tem mostrado, desde a descoberta do Brasil, quão poderoso tem sido este meio de communicação entre povos tão distantes na escala social. As verdades do Christianismo, que se lhes annunciavam no seu proprio idiôma, penetravam mais facilmente nos seus corações, e os faziam render prompta adoração á Cruz e ao Evangelho. Os indigenas que, nesta parte da America, quasi que não dão signaes alguns de que reconhecem um Deus Creador do Universo, e nos quaes todavia vislumbram idéas do Diluvio Universal, da immortalidade da alma, e até de um espirito máo, que os fustiga e persegue, a ponto de mudarem continuamente as suas palhoças, remedio unico de escaparem, no seu sentir, ás perseguições do seu diabo, ou Anhúm — os indigenas, com muita docilidade abraçam as doutrinas religiosas, que lhes são offerecidas em sua lingua, por que ellas lhes abrem uma esfera maravilhosa, descobrindo-lhes cousas, a que não podiam chegar pela curteza de suas idéas. Nestes homens broncos é mais facil a cathequese, do que em outras Nações, que já possuem algum systema de Religião. As verdades, que se lhes inculcam, não tem que destruir inveterados prejuizos, herdados de seus primeiros paes; ellas pelo contrario, encantam pela novidade, e arrebatam pelas solemnidades do Christianismo, que infundem respeito e veneração, e muito mais quando são acompanhadas de canticos e instrumentos musicos, de que os nossos indigenas são extraordinariamente apaixonados. E' por tanto de absoluta necessidade que se faça aprender a lingua Brasileira aos que tem de missionar aos nossos Indios, ou de lhes servir de interpretes em suas tarefas Apostolicas. O estudo desta lingua fez um dos principaes esmeros dos Missionarios Jesuitas, e por isso tanto adeantáram a Religião do Crucificado nas matas do Brasil. Existem ainda Grammaticas, Diccionarios, Cathecismos, Livros de Orações, e Dialogos instructivos, com que se habilitavam esses primeiros incançaveis Missionarios do Brasil: e a Historia nos mostra em muitas das suas paginas, que sempre em seus mais furiosos acommetimentos os Indios poupavam os que fallavam a sua lingua. (3) Como será possivel ensinar-se-lhes verdades novas e sublimes, sem este meio indispensavel de communicação? Como comprehenderão elles o que não entendem, por que é muito differente o seu idioma ? Uma das primeiras graças, que o Espirito Santo infundio nos Apostolos, que deviam levar a Cruz e o Evangelho ao conhecimento e adoração do mundo, foi o dom das linguas; e assim tambem uma das indispensaveis condições para a cathequese dos indigenas deve ser o conhecimento da sua lingua. D'aqui se pode deduzir a necessidade de se crearem, em varios pontos do Brasil, collegios, nos quaes se ensinem não só a lingua dos indigenas, como tambem aquellas (3) Poderiamos citar muitos factos em prova desta verdade; mas só lembraremos um assaz recommendavel, que nos referem alguns dos primeiros Historiadores do Brasil. D. Pedro Fernandes Sardinha, priineiro Bispo do Brasil, voltando da Bahia para Lisbôa, deo á costa nos baixos do Porto, que chamão dos Francezes, junto ao Rio de S. Francisco, em 10 gráos austraes, em dias de Junho de 1556; e ahi com Antonio Cardoso de Barros, e mais de noventa pessoas servio de pasto á voracidade dos Indios Cayétés, escapando unicamente dous companheiros por que fallavam a sua lingua. cousas, que devem formar o caracter de um verdadeiro Missionario. Este ensino, que eu julgo indispensavel á execução de qualquer plano de Cathequese, que se adopte, deve ser baseado em principios da Religião, e de sua sancta moral; por que mal poderão colher fructos de conversão, de paz, e de sociabilidade aquelles, que não conformarem suas acções com as doutrinas que pregam. Depois da necessidade de se aprender a lingua dos Indigenas, vem logo outras, que bem succintamente apontarei. A sua educação divide-se em duas partes bem distinctas, a dos adultos, e a das crianças. A aquelles, como mais fortemente habituados á vida errante e selvagem, se devem proporcionar idéas e trabalhos, que os vão tirando de seus erros, e de suas correrias. A prudencia aconselha neste caso, que fazendo-os entrar no conhecimento dos commodos da sociedade, elles irão sahindo melhor do estado da natureza, amando a propriedade, e formando estabelecimentos, e povoações debaixo de certas relações policiaes, que a Religião fará respeitaveis, (4) Neste andamento de civilisação, tambem aconselha prudencia que se criem nos adultos indigenas algumas necessidades faceis de satisfazerem-se pelo seu trabalho. E' innegavel que em seu mesmo estado errante e brutal, elles apreciem certos objectos, que desejariam possuir em mais abundancia; e o espirito commercial, ou de troca não é tão alheio delles, que não tenhamos visto em toda a costa do Brasil aventureiros Francezes permutando pelo páo Brasil, drogas, pelles, e outros productos necessarios á industria Européa, os seus tecidos grosseiros e vistosos obras de cuteleria, missangas, guizos etc. Esta verdade, constante da Historia do primeiro seculo da descoberta do Brasil, nos faz crer que com esse mesmo commercio poderemos arrancar das brenhas muitos de na (4) Escreve um celebre Philosopho moderno, que o estado da Sociedade Civil começára no mundo, do momento em que se usaram os termos meu e teu. Os Indios, filhos da natureza, ainda não conhecem propriedades; em sua vida nomade todos os bens lhes são conmuns; é preciso, com muito geito e prudencia fazel-os entrar persuasão dos commodos que resultam do trabalho, e da posse exclusiva de seus fructos. Esta operação mais se consegue pelo exemplo do que pela doutrina; e se forem aldeados com divisão de familias de terras, gozando maiores commodos á proporção de seus trabalhos, e administradas por uma policia de bôa fé e não violenta, a propriedade ganhará raizes, e a civilisação fará progressos. seus habitantes; o commercio tem sido em todos os tempos um poderosissimo instrumento da civilisação dos póvos. Depois desta idéa vem outra, que julgo muito a propozito em nossas circumstancias. Creadas as primeiras necessidades nos indigenas, devem-se tambem crear logo os meios necessarios á sua prompta satisfação; e estes consistem no estabelecimento de officinas grosseiras, que sirvam tambem de escola aos indigenas aldeados, e lhes persuadam o amor do trabalho. Uma fórja de ferreiro, por exemplo, um tear grosseiro, uma serraria, etc. serão tão necessarios aos adultos como as escolas, em que se ministrem a seus filhos as primeiras letras, e a doutrina Christa. Tambem muito aproveitará que os nossos officiaes de officinas se casem com Indias, e os Indios com as filhas desses officiaes, ou com mulheres das povoações mais proximas. Nem será novo vermos em nossos dias reproduzidas as scenas interessantes, das quaes nos fallam os primeiros escriptores do Brasil. O credito, que entre os indigenas gozára na Bahia esse famoso Caramurú, foi mais devido aos vinculos do seu consorcio com uma India extremosa, do que aos effeitos prodigiosos do seu arcabuz; passado o primeiro espanto de seus primeiros tiros, os Indios se acostumarão a ouvir o seu estrondo sem tremer, e sem fugir. Se quizessemos multiplicar factos desta natureza, que se acham espalhados por milhares de memorias impressas e manuscriptas, verieis com toda a clareza que o casamento das Indias com homens de nossa associação tem produzido vantagens preciosissimas á civilisação dos indigenas: um de nossos mais incançaveis Missionarios refere que uma das Indias, casada com um de seus linguas, lhe servira muitas vezes de interprete em seus trabalhos Apostolicos, sendɔ para notar-se o empenho a que se dava nesta perigosa tarefa, em que Deus parece que a favorecia, por que peló fervor com que pregava as doutrinas do Padre, attrahia mais fortemente as Indias ao gremio da Igreja, do que o lingua seu marido; e as indigenas por ella convertidas tornavam-se como outras tantas Missionarias para com seus maridos e parentes. Até aqui, Senhores, eu vos tenho expendido as idéas mais geraes que me occorreram sobre o vosso Programma, evitando o apresentar-vos um plano completo de civilisação dos Indios, por que essa tarefa não cabe nos limites desta memoria, e poderá ser ainda desenvolvida por uma penna mais habil, e que talvez aproveite algumas das reflexões, que aqui vos apresento. Concluirei lembrando ainda que o melhor systema de civilisação dos Indios do Brasil é o da cathequese. Ella se torna hoje de grande urgencia, até mesmo para os povos da nossa associação, que vivem no interior do Brasil quasi totalmente esquecidos da sancta Religião que professamos. Com magoa vemos que a moral de Jesus Christo, depois de ter adoçado os costumes de povos barbaros, renovando a face do mundo por um systema de civilisação mais digno do homem; depois de ter penetrado os sertões da terra de Sancta Cruz, e de ter ahi formado costumes novos e sanctos, tem retrocedido ao nosso litoral, deixando apóz de si tenebrosos nevoeiros, que esterilizão o nosso abençoado paiz. Lancemos as nossas vistas sobre o que se passa nos sertões de nossas provincias, e confessaremos ingenuamente que tantos males, e tão inauditas barbaridades nascem, em grande parte, da falta de doutrina Religiosa, e do pasto espiritual, que experimentam os nossos póvos do Interior. Convém cathequizar os Indios, mas convem igualmente doutrinar os póvos que já foram cathequizados. As leis, por mais sabias que sejam, não podem ter vigor onde faltam os costumes; е OS costumes adoçam-se ou criam-se muito melhores por meio da Religião, e de seus Ministros. Criem-se escolas de cathequese, com estudos necessarios, e apparecerão Missionarios respeitaveis, que façam fructos de desejada conversão. Eis a minha opinião sobre o vosso Programma. |