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enxame de gafanhotos, e nos delirios arrojavam de si toda a immoralidade, de que se achavam dominados. A bem tristes provas esteve, em toda essa epocha, sujeito 0 Fundador do Imperio; e com tudo seu animo generoso e inabalavel não se doía por si, senão pela patria, e pelos Brasileiros, de quem se julgava verdadeiro pai. Por esta fórma tornou-se o Governo nominal, sem respeito algum na Côrte nem nas Provincias, impopular até a exageração, alfim despresado e aborrecido.

Na Provincia de Minas Geraes, uma das mais populosas do Imperio, o descontentamento tinha-se augmentado ainda mais que no Rio de Janeiro. O Imperador pensando reprimir com a sua presença 0 desenvolvimento das idéas de federação, que alli tinham tomado grande corpo, resolveu visitar aquella Provincia. É com effeito partiu da Capital no dia 30 de Dezembro de 1830, com a Imperatriz, dirigindo-se á Cidade do Ouro Preto, onde esperava que revivesse 0 enthusiasmo, que tinha alli causado em 1822; mas os tempos haviam mudado, e em todo o seu transito teve muitas vezes de presenciar os effeitos do descredito, em que tinha caido. Finalmente em 22 de Fevereiro de 1831 publicou no Ouro Preto aquella celebre

Proclamação (*), que deu motivo á tantas interpretações sinistras, e que bem deixava ver o quanto estava convencido dos perigos da sua posição. O Imperador tinha razão para exprobrar os excessos da imprensa, tarde para

mas era

remedio que pretendia applicar-lhe; o mal tinha criado raizes, que já não era possivel extirpar sem que perigasse a liberdade ou a Realeza: ambas correram imminente risco.

Longe de produsir o desejado effeito, a Proclamação contribuiu para aggravar a indisposição, que havia contra o Imperador, não só em Minas como em todas as outras Provincias. No em tanto regressava elle para o Rio de Janeiro desabusado e desgostoso. A frieza e falta de respeito, com que fôra por toda a parte acolhido, juntas ao máu exito que tivera a sua Proclamação, completamente

o

desenganaram; de sorte que varias vezes no decurso da jornada fallou da intenção, em que estava, de abdicar a favor de seu Filho, e de retirar-se para sempre do Brasil. E de certo, a impopularidade do Imperador crescia diariamente; calumnias dos jornaes exaltados, por mais absurdas que fossem, eram acreditadas nas Provincias; os actos mais insignifi

(*) Vid. Documentos, letra V.

as

cantes da sua vida eram torcidos em seu desabono, muitas vezes por aquelles mesmos a quem elle havia beneficiado. De volta a S. Christovão, onde chegou no dia 11 de Março, quizeram alguns amigos reanima-lo, promovendo demonstrações de regozijo publico; mas por uma d'essas anomalias, que desconcertam os calculos da prudencia humana, as mesmas festividades, que tinham por objecto principal acoroçoar e sustentar o Monarcha, tornaram-se em todo o Brasil o signal immediato da sua queda.

Uma das mais fortes accusações contra D. Pedro era que protegia os interesses e as paixões hostís dos Portuguezes; esta idéa havia calado no animo da mais baixa classe da população livre, e foi a principal causa, que lhe fez perder a sua popularidade. Desgraçadamente foram os Portuguezes os que mais se empenharam nos obsequios publicos, com que queriam celebrar a volta do Imperador; este acto de dedicação particular, a que elle era inteiramente estranho, provocou um conflicto sanguinolento (de 13 para 14 de Março, chamada a noite das garrafadas) entre o partido exaltado, no qual se achavam envolvidos muitos Officiaes do exercito, e o que se denominava portuguez. Desde este momento parecia impossivel qualquer reconciliação, e

animos se irritaram a ponto que reviveu todo o antigo odio contra os nascidos do outro lado do Atlantico. A offensa da nacionalidade, е por consequencia do amor proprio dos nascidos no paiz, fez reunir então todos os Brasileiros, clamando que era mister reprimir a insolencia dos estrangeiros. Com tudo, D. Pedro não estava ainda directamente compromettido, pois que havia permanecido em S. Christovão em quanto se passavam aquelles acontecimentos, e só fez a sua entrada publica na Capital no dia 17 de Março.

um

Depois dos successos de 13 e 14 reuniram-se vinte tres Deputados e Senador em casa do Padre José Custodio Dias, e alli redigiram uma Representação ao Imperador (*), energica e ameaçadora, na qual se exigia do Governo uma reparação da affronta, que se havia soffrido, e o castigo, tanto das autoridades, que conniventes ou indifferentes tinham deixado de dar providencias, como dos delinquentes compromettidos na aggressão. Este documento, publicado pela imprensa, produsiu o effeito que se esperava, exaltando ainda mais o espirito de revolta, tanto no Rio de Janeiro, como

nas

outras Provincias, quando se teve noticia d'elle. No dia 20 houve uma

(*) Vid. Documentos, letra W.

modificação do Gabinete; porém esta mudança nada promettia favoravel para as pretenções dos exaltados. Vendo pois os Chefes d'este partido que as que as cousas permaneciam do mesmo modo, procederam diligentemente na organisação dos seus planos. N'este estado de indecisão fluctuaram os negocios do Brasil até o dia 25 de Março, anniversario do juramento da Constituição, em que os liberaes fizeram cantar um Te-Deum na Igreja de S. Francisco de Paula, e onde Imperador appareceu de repente sem ser esperado nem convidado.

A sua chegada foi saudado com vivas em quanto Constitucional, ao que logo respondeu Sou e fui sempre Constitucional. Entretanto progrediam os conspiradores

em

seus projectos de mudar a fórma de Governo; em seus clubs varios planos foram propostos, porém triumphou sempre o de conservar-se a Monarchia Representativa. Emfim na manhã de 6 de Abril, vendo o Imperador o caminho que levavam os negocios publicos, demittiu o Ministerio, e chamou ao Gabinete seis Titulares, que já haviam sido Ministros em diversas epochas, e adquirido consideravel impopularidade. Com esta noticia exaltou-se o espirito da plebe, que em grande concurso se reunia no Campo de Santa Anna, pedindo a reintegração

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