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do Ministerio demittido n'aquella manhã; tres Juizes de Paz foram a S. Christovão expressar estes mesmos sentimentos ao Imperador, mas elle não annuiu, respondendo: Tudo farei para o povo, mas nada pelo povo. Apenas sabida esta resposta no Campo, levantaram-se os gritos mais sediciosos, e as tropas começaram a reunir-se alli para fazerem causa commum com a gentalha.

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Esse mesmo exercito que D. Pedro havia organisado com tanto sacrificio, que havia mantido com tamanho prejuiso da sua popularidade, e sobre o qual havia depositado mais confiança do que no povo, estava destinado a trahi-lo; e aquelles que elle havia enchido de distincções e de beneficios não foram mais escrupulosos no seu abandono do que os outros. O batalhão do Imperador, que estava aquartelado em S. Christovão, tambem foi reunir-se no Campo, onde chegou pelas onze horas da noite; quando D. Pedro soube d'esta deserção, disse com muito sangue frio: Fez bem, que se vá reunir aos seus camaradas no Campo; não desejo que alguem se sacrifique por mim. Depois d'isto mandou elle mesmo que o regimento de artilharia montada, que se achava no páteo da Quinta, fosse igualmente a reunir-se aos outros Corpos; e assim preveniu qualquer desaguisado,

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que a divergencia entre a tropa poderia produsir. Deve-se confessar que n'esta occasião D. Pedro mostrou uma dignidade e grandeza d'alma, de que não usára nos dias da sua prosperidade.

Finalmente, vendo o Imperador o aspecto serio, que tomavam as cousas, atormentado, irritado, e fatigado em extremo, julgou que era necessario ceder ás circumstancias, e pelas duas horas da manhã sentou-se, e sem pedir conselho a ninguem, sem mesmo informar Ministerio do que havia resolvido, escreveu a sua abdicação nos termos seguintes:

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« Usando do direito, que a Constituição » Me concede, Declaro que Hei mui voluntariamente Abdicado na Pessoa de Meu » Muito Amado e Presado Filho o Senhor D. Pedro de Alcantara. »

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« Boa Vista 7 de Abril de 1831, decimo » da Independencia e do Imperio. »

Levantou-se então, e dirigindo-se para o Major Frias apresentou-lhe o Decreto, dizendo-lhe com as lagrimas nos olhos: Aqui está a minha Abdicação; desejo » que sejam felizes! Retiro-me para a Europa, e deixo um paiz que tanto » amei, e ainda amo. »>

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Feito isto, D. Pedro recobrou toda a sua serenidade; voltou para a sala onde estava a Imperatriz, acompanhada dos Embaixadores francez e inglez; despediu

depois os seus Ministros, e por e por um Decreto, que datou do dia antecedente (6 de Abril), nomeou Tutor e Curador de seus quatro Filhos, que ficavam no Brasil, a José Bonifacio de Andrada e Silva. Foi esta mais uma prova da variedade dos destinos humanos, pois que d'entre todos aquelles que havia beneficiado e enriquecido, não achou um a quem confiar a tutela de seus Filhos, vendo-se obrigado a aproveitar a lealdade e espirito cavalleiroso do venerando an cião, a quem em outro tempo havia maltratado. Depois de ter finalmente arranjado os seus. negocios domesticos, embarcou em um dos escaleres da náu ingleza Warspite com a Imperatriz, a Rainha de Portugal, sua irmă a Marqueza de Loulé, e o Marquez seu cunhado; e, a contar d'esse momento, nunca mais pôz o pé sobre 0 sólo brasileiro.

A Augusta Comitiva dirigiu-se primeiramente para bordo da Warspite, Commandante Talbot, onde estava arvorado o pavilhão do Almirante Baker, e alli ficou alguns dias até que se fizessem os necessarios preparativos para a sua viagem á Europa. Foi destinada a fragata ingleza Volage, Commandante Lord Colchester, para condusir o Ex-Imperador, sua Esposa e Comitiva, para qualquer porto porto da

Europa, que elle escolhesse ao norte de Brest; e a fragata franceza La Seine, com ordens iguaes, foi posta á disposição da joven Rainha de Portugal, e das pessoas que a acompanhavam. Durante à estada de D. Pedro no porto, muitas pessoas foram despedir-se d'elle, e outras repetiam suas visitas quasi todos os dias; mostrava-se resignado, e ultimamente satisfeito depois do dia 9, em que observou o enthusiasmo popular no acto de vir o Senhor D. Pedro II assistir ao Te-Deum pela sua elevação ao throno. Finalmente partiram as duas fragatas no dia 13 do mez de Abril, e desde então os destinos do Brasil ficaram dependendo de si mesmo.

Bem que tivesse sido inefficaz e erronea em muitos pontos a administração do Ex-Imperador, a sua elevação ao throno foi mui provavelmente o meio de preservar o Brasil de uma anarchia ainda mais fatal do que a que tem assolado

outr'ora colonias hespanholas. Qualquer tentativa prematura para um governo democratico teria sido seguida de uma guerra sanguinolenta e duradoura, na qual a parte infima da população haveria pegado em armas, e a desordem e a destruição teriam assolado a mais bella porção da America Meridional. Ainda mesmo conseguindo-se a expulsão

dos Portuguezes, a ignorancia do povo e as commoções politicas teriam sido mais fataes do que a guerra estrangeira. O regimen a que o povo estava acostumado era o monarchico, e esse foi o instrumento mais proprio para introdusir a civilisação que faltava, e para se adoptarem os aperfeiçoamentos sociaes, que formam uma parte inherente essencial do systema representativo.

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D. Pedro não era tyranno; ninguem, a não ser algum calumniador, o designou como tal. Seus erros foram grandes, porém as suas intenções eram sempre as mais puras em beneficio do paiz; desgraçadamente achou-se quasi sempre só ou mal aconselhado. Abraçando de boa fé a causa da Independencia e do Governo representativo, ninguem lhe levou a palma em sustentar a primeira ou em respeitar o segundo. Dotado de grande talento e valor mas sem experiencia, enthusiasta pela liberdade mas sem prudencia, estava melhor calculado

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para libertar o Brasil, do que para dirigir a subsequente marcha do seu Governo. Apesar de todos os seus erros dos de seus Ministros, o Brasil, durante os dez annos da sua administração, fez certamente mais progressos em intelligencia e civilisação, do que nos tres seculos decorridos desde a sua desco

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