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Prelecção do sr. commandante Eugenio Teixeira

e Castro, socio effectivo do Instituto

< Move-me a vossa generosidade a um bem: o de dar-vos a escutar, da primeira vez que subo a esta laureada tribuna, palavras de veneração e de saudade. As de veneração, eu as consagro ao mestre eminente, gloria do INSTITUTO e do Brasil - Capistrano de Abreu; as de saudade, a quem foi laborioso bibliothecario desta Casa,- Vieira Fazenda, e cuja sombra amiga, ainda dentre vós vejo surgir, animar-se, para me conduzir por essas silenciosas salas, a dizer-me da preciosidade dos nossos archivos, e magnificencia desta obra immortal.

Do mestre, sei eu e sabeis vós, tão alta a grandeza do seu engenho, quanto a bondade do seu coração; de Vieira Fazenda, carinhosamente vos recordo a sua alma de encantadora gentileza, como si fôra a desta formosa terra carioca, que elle viveu cantando e celebrando em páginas de erudição e simplicidade.

E agora, concedei que, entre a emoção da saudade que ainda nos fere, e a doçura da veneração que a todos nos enleva, eu volva o olhar a longinquo passado, e em obediencia á ordem gentil do nosso illustre presidente, busque no Sagrado Livro da Patria os feitos historicos ligados ao memoravel 9 de Março de 1822. Páginas de Historia, que sob o agasalho da vossa auctoridade, serão lidas, desmerecidas no tom da minha palavra, um seculo após o alvorecer da Nação Brasileira.

Andava em decadencia a dynastia bragantina.

D. João VI, ao pisar, a 3 de Julho de 1821, o sólo portuguez, de que se apartara em 1808, á investida das aguias napoleonicas, não havia honrado as tradições de intrepidez e bravura de alguns do mesmo sangue, immortalizados nas jornadas de Ourique, Aljubarrota, Ceuta ou Alcacerkibir.

Era o rei que desertara a patria, desmentindo o valor da raça do condestavel e sancto d. Nuno Alvares Pereira.

Não haveria, pois, de recebe-lo, de retorno á terra lusitana, a nação agradecida; e sim a soberbia das Côrtes portuguezas impondo-lhe o juramento das bases constitucionaes, o abandono de fidalgos do seu sequito, a revogação das graças reaes concedidas, e até a submissão, horas após a sua chegada, de alterar palavrasdo discurso régio que lhes mandara ler.

Passava a reinar o soberano congresso tendo ao rei por vassallo, e na ilusão de, em breve, manter sob sua guarda e vigilancia sua alteza real o principe d. Pedro de Alcantara, regente do Brasil. Era mistér, porém, para dar tal passo, submetter ao seu ferreo senhorio a joven America Portugueza.

Recebidos os representantes politicos de novo sentimento nacional, no seu seio, não tardou que a voz brasileira ahi resoȧsse, clamando contra o apparelhamento de tropas portuguezas para o Rio e Pernambuco, e com bastante significação patriotica, em 29 de Septembro de 1821, quando as Côrtes criavam para o Brasil os governos independentes ou junctas provisorias, e exigiam que as tropas de cada Provincia tivessem por governadores d'armas a brigadeiros portuguezes, sujeitos a tão ostensivo dominio.

Estava lançado o decreto para que entrasse a enfraquecer a Regencia. E tanto era essa a trama politica, mascarando a pretenção de recolonizarem o Brasil, que, em sessão dêsse mesmo dia, se apressavam significativamente a approvar, baseadas na nova fórma de governo criada, o tornar-se "desnecessaria e ser até indecorosa a tão alta jerarchia, a permanencia no Rio de Janeiro de sua alteza real o principe regente".

E para se valerem da opportunidade, revelando antes zêlo que ambição, mandavam ao filho de d. João VI viajar "por alguns paizes illustrados, accompanhado por pessoas dotadas de virtudes

e luzes", nomeadas por sua majestade o seu pae, e adherentes ao systema constitucional; e accrescentavam: "com o fim de obter aquelles conhecimentos que se lhe fazem necessarios, para um dia occupar dignamente o throno portuguez".

Parecia-lhes, com esse habil movimento, ganha a partida politica, pois, logo na sessão de 11 de Outubro, quando no seu arrogante dizer, "recebiam com muito especial agrado as satisfactorias expressões de sua majestade", em agradecimento ao resolvido a respeito do principe, decretavam as mesmas Côrtes a extincção de todos os tribunaes que el-rei criara na cidade do Rio de Janeiro. Esse outro golpe, todavia, era aparado com astucia e cautela por d. João VI, pois só mais tarde mandava merecesse a devida execução.

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Resolvida essa parte importante do seu traçado, era-lhes precisa, sem tardança, a mobilização de forças militares para Pernambuco e Rio de Janeiro, já determinada a 28 de Julho, a 25 de Agosto e a 20 de Outubro.

Moroso havia sido o cumprimento dessa ordem, e se accentuava ainda, visto que, só em sessão de 11 de Dezembro do mesmo anno é que perante as Côrtes compareciam, em despedida, e a jurar-lhes a sua firme e inalteravel adhesão ao systema constitucional, o chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa, commandante da fôrça naval a partir para o Rio de Janeiro, commandantes dos navios de guerra e transportes, e officiaes dos seus estadosmaiores.

Já em data de 27 de Novembro lhes haviam apresentado os seus juramentos e as suas despedidas o coronel João Leandro de Macedo Valladas, commandante do regimento de infantaria 4, e o tenente-coronel do mesmo corpo Philippe Thomaz Ribeiro da Costa; e em sessão de 1o de Dezembro o coronel Antonio Joaquim Rozado, com os seus officiaes, e como commandante do regimento provisorio, composto do seu regimento, de uma brigada de artilharia e do regimento 4, do coronel Valladas. Só na sessão de 3 de Dezembro cumpria eguaes formalidades o brigadeiro José Corrêa de Mello, nomeado para assumir o govêrno das armas na Provincia de Pernambuco.

Estava assim constituida a expedição de 1.200 homens municiados e promptos para o embarque, por fim ordenado a 19 de Dezembro de 1821; o que em se realizando, permittia, em 16 de Janeiro

de 1822, o largar e barlaventear a divisão naval do Tejo, em demanda das terras do Brasil.

Era a capitanea da frota de guerra a nau D. João VI, do commando do capitão de fragata João Antonio Marcellino Pereira, e atopetava a insignia do chefe de divisão Francisco Maximiliano de Sousa.

Largavam e caçavam as velas, ao signal da garbosa nau capitanea, a fragata Real Carolina, do commando do capitão de fragata João Bernardino Gonzaga; as charruas Conde de Peniche, Orestes e Princeza Real, respectivamente, sob as ordens do capitão de fragata graduado Joaquim Epiphanio de Vasconcellos, dos capitães-tenentes Theodoro de Beaupaire e Antonio Joaquim do Couto; e os transportes Phenix e Septe de Março, tendo por capitães Joaquim Estanislau Barbosa e Domingos José dos Santos.

Soltos da divisão, suspendiam ancoras, a seguir, as corvetas Princeza Real e Voador, as escunas Maria Zeferina e Leopoldina e o transporte Quatro de Abril.

Quem vê hoje sobre o mar as possantes e negras unidades de guerra, ennevoando os horizontes e os céos á sua passagem taciturna e grave, folgaria em rever aquellas muitas velas em bando, apartando-se das praias lusitanas, ferindo as aguas placidamente, e assim como em revoada de gaivotas, irem em busca dos pégos atlanticos.

Eram esses singulares aspectos, quadros pittorescos da Marinha do passado, de mui peregrina poesia, e davam ao marinheiro do seculo XIX mais intimo sentimento do mar; dêsse mar, aonde, todavia, para elles, não moravam mais, sinão sob os nomes de procellas, correntes e bulcões, as iras de Neptuno e do Adamastor.

Ganho o mar largo, na camara luxuosa da nau D. João VI, ao ler as instrucções secretas que trazia, o chefe Francisco Maximiliano de Sousa certamente as meditou com emoção, porque a immensidade do oceano dá ao pensamento ou ao sentimento dos homens a profundeza desconhecida dos que nunca se aventuraram a perlustra-la.

E si já nos navios do seculo XX, esse estado d'alma se apre

senta sob fórma menos sentimental e artistica, mais vivido se o notava nas veleiras naves de antanho.

Si era a lembrança da partida o que vinha no coração do marinheiro, nascia e crescia a saudade; si a prece era o seu consôlo, em templo tão vasto e magnifico, das brumas e das aguas, alteavase aos seus olhos uma visão de mysticismo e suave tristeza ; e a mesma alegria, tão dos jovens marujos que pêla primeira vez as suas ondas sulcavam, vós a encontrarieis, após longos cruzeiros, transfigurada em melancholia tão expressiva, como a dêsses quadros tocantes do mar, á hora do sol pôr.

Imaginae, agora, o sentimento dominante na alma do velho capitão, olhando, de espaço, as vagas pêla portinhola da camara, e a pesar a responsabilidade dos seus encargos, a aventura da sua empresa, a gloria do seu nome.

E ao reler as instrucções secretas que o mandavam desembarcar fôrça em terra pernambucana, pacificamente, si humildemente recebida, hostilmente, si com rebeldia repellida por seus habitantes, quem tomaria elle por companheira, nessa jornada? E ao ter em mãos os dous officios, de que era portador, para d. Pedro, que presentimento não lhe assaltaria o espirito, dentro em scenario tão majestoso, o mar alto e o céo ?

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Outra lhe haveria de parecer a sua estrella, outro o seu fado tão venturoso a guia-lo em 14 de Janeiro de 1808 a esta cidade, para de bordo do bergantim Voador, do seu commando, annunciar-lhe entre galas e salvas a chegada de d. João VI ao Brasil.

E seria a elle, o festejado mensageiro da chegada do primeiro principe regente europeu ás terras americanas, a quem competiria apear do throno a outro principe do mesmo sangue, valendo-se dos canhões das suas naus?

Respeitemos esses momentos decisivos dos chefes encanecidos no serviço do mar e da guerra, e deixemos a divisão naval navegando em pleno Atlantico, a caminho do littoral de Pernambuco.

E enquanto galernos ventos a impellem, volvamos o pensamento para a séde da Regencia, aonde notaveis factos historicos se vinham desenrolando.

D. Pedro de Alcantara, chegando ao Rio de Janeiro em 1808, ahi teve os estimaveis brincos da sua infancia, e viu desabrochar os seus primeiros sonhos da puberdade e da juventude.

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