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os sentimentos de duas patrias, que efle extremeceu, e tremule a gratidão de dous povos a que serviu.

Em Portugal foi o regenerador das instituições, deu-lhe um pacto fundamental, e, duas vezes, assegurou-lhe a liberdade; aqui, fez a independencia do povo, fundou o Imperio e outorgou-lhe a Constituição.

Talvez alguns de vós ainda não tivesseis lido página de tão profunda justiça acerca daquella personalidade, como a que lhe consagrou, com a imparcialidade de quem nem é brasileiro, nem é portuguez, a penna erudita de exclarecido historiador hispanhol:

< Esse principe fez mais proezas, mais beneficios, mais acções generosas, libertou mais povos, deu leis mais sábias, elevou mais os Brasileiros e Portuguezes, do que todos os Braganças que vêdes deitados ahi no pó da eternidade.

Os seus inimigos puderam e ainda poderão escurecer o resplendor de sua gloria com manchas passageiras da mocidade fogosa, mal dirigida, peor aconselhada; mas êste sol não teve nos ultimos fulgores do seu ocaso nodoa alguma. Na occasião en que falleceu o duque de Bragança, dous de seus filhos - Pedro II, do Brasil, e Maria II, de Portugal,occupavam na tenra meninice, a bella puberdade, dous thronos. A alma magnanima do duque de Bragança não foi comprehendida pêla maior parte dos seus contemporaneos. Quando deu o brado da Independencia nas margens do Ipiranga, a antiga nobreza lusitana o acoimou de ter secundado o movimento brasileiro com um unico alvo, o de apoderar-se do sceptro do Novo Mundo, chegando a um extremo tão deploravel a allucinação dos fidalgos, que o accusaram de ser homem de principios democraticos subversivos, declarando-o traidor ás leis e á Patria. Quando saïu do Brasil, para ser o adail de sua filha, foi chamado despota ! »

Como vêdes, outro vai sendo o criterio do sentimento contemporaneo no culto da verdade historica, porque tambem já é tempo de desprezarmos as interpretações phantasiosas e parciaes para rendermos á memoria dos grandes nomes o tributo da veneração. E' o que aqui estamos a fazer justamente na data em que o principe reinante tomara o compromisso, perante a sua honra, 1795

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perante o povo, perante o mundo, perante a Historia e perante Deus, de que seria o defensor desta grande terra.

Cabe á posteridade inquirir: prestou-lhe elle auxilios? defendeu-a? protegeu-a? intercedeu por ella?

Ninguem o contestará.

Instrumento ou agente, apraz-me repeti-lo, pouco importa : elle foi um benfeitor, e nós não devemos ser injustos.

Mas si na contingencia das cousas humanas a Pedro I viesse porventura a faltar o nosso reconhecimento, elle teria no que fez melhor premio do seu amor ao Brasil. A sua memoria envolverse-ia na transparencia desta verdade de Seneca:-Rerum honestarum pretium in ipsis est, sentença que Vieira bordou de ouro nas antitheses admiraveis de seu genio de escriptor:

« O premio das acções honradas, ellas o têm em si, e o levam logo comsigo; nem tarda, nem espera requerimentos, nem depende de outrem: são satisfacção de si mesmas. No dia em que as fizestes vos satisfizestes. E si fóra de vós mesmo, esperaveis outro premio, contentae-vos com o da opinião, e da honra. Si vossos serviços são mal premiados, baste-vos saber que são bem conhecidos. Este premio mental assentado no juizo das gentes, ninguem vo-lo póde tirar, nem diminuir.»

Devo concluir. Antes, porém, concedei-me breves instantes para uma evocação civica, mui pertinente neste dia, nesta solennidade, neste recincto.

Pelos destinos da patria, senhores, ha de velar sempre esse genio afortunado que se chamou José Bonifacio, abrigando-a na irradiação tutelar de sua grandeza omnipotente. Já o seu nome se vinha erguendo muito alto nas conquistas da sciencia e brilhando no cenaculo da aristocracia européa, quando, ungido das commoções do patriotismo, excedendo-se a si mesmo, penetrou o seio da immortalidade, sagrado o patriarcha da Independencia da sua patria.

Ha nomes assim: nascem predestinados para missões altissimas. Nelles concretiza o destino a efficiencia das realizações.

E fôra José Bonifacio o eleito para, consubstanciando tres seculos de aspirações á liberdade, ser o instrumento da Historia na

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realização da vontade, que enchia o coração brasileiro e nelle pulsava com o impeto dos supremos anhelos,

de ver o Brasil,

terra grandiosa, "quebrar as algemas de colonia para cingir o diadema de nação", como affirmara Latino Coelho.

E foi o que fez o genial estadista:- desatou os pulsos do colosso e pô-lo sôbre a egide de si mesmo para, por si mesmo, viver, luctar, crescer e vencer, e, ei-lo ahi, por si mesmo, vivendo, luctando, crescendo e vencendo.» (Applausos calorosos.)

☐☐ SESSÃO ESPECIAL, EM 23 DE MAIO DE 1922, COMMEMORATIVA DA DATA DE 23 DE MAIO DE 1822, EM QUE FOI FEITA A ENTREGA AO PRINCIPE D. PEDRO, POR JOSÉ CLEMENTE PEREIRA, PRESIDENTE DO SENADO DA CAMARA, DA REPRESENTAÇÃO, EM NOME DA MUNICIPALIDADE E DO POVO DO RIO DE JANEIRO, PARA A CONVOCAÇÃO DE UMA ASSEMBLÉA GERAL CONSTITUINTE. O PRINCIPAL PROMOTOR DESSE PEDIDO FOI JOAQUIM GONÇALVES LEDO, AMIGO DE JOSÉ CLEMENTE PEREIRA. PRELECÇÃO DO DR. AGENOR DE ROURE, SOCIO DO INSTITUTO B

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