DO Instituto Geographico E Historico da Bahia FUNDADO EM 1894, RECONHECIDO DE UTILIDADE PUBLICA ANNO VIII Maxima sunt documenta equidem res temporis acti Typ. Encadernação-Empreza Editora Não é novo, antes, pelo contrario muito frequentemente debatido é o objecto do presente estudo. Sobra-lhe, porém, interesse historico, exalça-o notavelmente o valor que assume na geographia naciona e, sobretudo, o recommenda a attenção sympathica que sempre logrou despertar no nosso meio litterario. Encarando-o agóra por uma face nova, outro não é o nosso intuito, aliás despretencioso e modesto, que não o de methodisar, ou submetter a regras esse estudo linguistico que por ahi anda ao belprazer das phantasias de uns e ao desazo dos que menos familiarisados com a lingua dos primitivos habitadores desta terra a deturpam e desfeiam, (*) Extr. da Memoria lida no Instituto Historico e Geographico de S. Paulo, pelo nosso illustrado consocio Dr. Theodoro Sampaio. attribuindo-lhe aos vocabulos sentido e significados surdos ou procurando interpretar aquelles já adulterados ou assimilados pela dicção vulgar por processos extranhos ás leis gottologicas que regem a materia. Não ha quem desconheça a predominancia do tupi nas nossas denominações geographicas. As nossas montanhas, os nossos rios, as cidades como os simples povoados trazem geralmente nomes barbaros que o gentio, dominador outr'ora, lhes applicou, que os conquistadores respeitaram e que hoje são de todos preferidos, pois, não rare, se trocam, se substituem nomes portuguezes de antigas localidades por outros de procedencia indigena, ás vezes lembrados ou compostos na occasião, ás vezes restaurados pelos amadores de coisas velhas e tradicionaes. Mas essas denominações geographicas, explicaveis e naturalissimas numa época em que o tupi era a lingua geral, ou a mais fallada no paiz, são agora para as modernas gerações verdadeiros enigmas que as alterações quotidianas ou as inevitaveis corruptellas vão tornando indecifraveis. Portanto, preservar-lhes a graphia verdadeira, e a verdadeira pronuncia, fixar-lhes o significado, interpretado através do véo obscuro dos metaplasmas, vale tanto como resguardar um monumento historico. Sim, porque si a geographia póde passar intangivel por um nome fossilisado ou cruelmente adulterado pelo correr dos annos, com a Historia já não succederá o mesmo sem damno sensivel para a perfeita comprehensão dos successos com que ella evoca as éras passadas Já ninguem desconhece o valor da philologia nos estudos historicos, a qual, como é sabido, explicou as migrações dos povos, anteriores a qualquer tradição oral ou escripta. Simples vocabulos, diz Cezar Cantú, revelam ou confirmam, ás vezes, uma circumstancia importante da Historia. Carlos von Martius, na sua dissertação sobre « como se deve escrever a Historia do Brazil », considera a lingua dos indios como documento mais. geral e mais significativo, e accrescenta: Pesquizas nesta actuaimonte tão pouco cultivada esphera não podem jamais ser sufficienteinente recommendadas, e tanto mais que as linguas americanas não cessam de achar-se continuamente em uma séria fusão, de sorte que algumas delas em breve estarão inteiramente extinctas. () Quando isso não bastasse; quem é que viajando a nossa terra se não tomará de curiosidade a mais justificada e não indagará pelo significado de tantos nomes barbaros applicados aos logares, ás regiões que vae atravessando? Quem de nós não terá, por vezes, inquirido pelo significado de tantos nomes extranhos, cuja pronunciação já corre adulterada e cujo sentido já ninguem comprehende? E são, todavia, vocabulos doces e sonoros, longos muitas vezes, excellentes em geral como designação de lugares, mas que muito perdem do seu valor por se não saber o que exprimem, o que recordam, o que nos revelam do sentir e do genio do povo primitivo que nol-os legou. E como na America esta triste verdade se assignalou tão breve? (*) Carlos von Martius-Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, vol. 6, pag. 389. |