e fabrica de ferro de S. João de Ypanema, para onde fez varias viagens todas as vezes que era necessario tomar algumas medidas para o melhoramento d'aquelle estabelecimento, que tantas vantagens promettia, e ainda promette ao estado. Dominado do mesmo pensamento, de sociedade com alguns amigos (o Sr. coronel Anastacio de Freitas Trancoso, e outros), procurou estabelecer uma fabrica de fiar e tecer algodão, edificando-se a casa em terreno seu, defronte a sua chacara, a fim de estar sempre debaixo das suas vistas. Mas desgraçadamente este estabelecimeuto mallogrou-se. Não aconteceu porém assim com a cultura do chá, cujo importaute ramo de riqueza publica, pode dizer-se, ao Sr. Arouche devese a creação e desenvolvimento, n'esta provincia, que hoje já produz algumas centenas de arrobas para consumo e exportação; e en breve se tornará a mais rica producção da provincia. Quando por tantos outros titulos o Sr. Arouche não fosse benemerito da patria bastava só o serviço feito á provincia e ao Brasil com a cultura do chá, para merecer a gratidão de seus compatriotas. Só um genio emprehendedor e constante poderia vencer os obstaculos que a cultura e fabrico do chá, antigo monopolio da China, encontraram para aclimatar-se no Brasil. E verdade que no Jardim Botanico de Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, já havia esta plantação e alguns chinas mandados vir pelo governo do Sr. D. João VI cultivavam e fabricavam o chá. Alli o Sr. Arouche, recebendo as sementes, desejou aprender, e mandar aprender praticamente o seu fabrico. Mas, ou fosse porque os chinas não quizessem ministrar as instrucções precisas, ou por qualquer outro motivo, as primeiras experiencias que se fizeram na sua chacara não produziram feliz resultado. Todavia o patriota illustrado não desanimou, applicou-se a estudar a materia nos auctores que d'ella tratavam, e ajudado pelo Sr. Francisco Pinto do Rego Freitas, conseguiu fabricar o chá hyson quasi tão bom como o da China. Para fazer conhecido de todos o methodo de plantação e fabrico do chá, escreveu uma memoria, que corre impressa; e a sua casa esteve sempre franca para quem quizesse aprender praticamente o fabrico do chá. Ao tempo da sua sentidissima morte a sua plantação de chá excedia muito a 54:000 pés que produziam para mais de 40 arrobas por anno. Quem possuia tantas virtudes civicas não podia deixar de cultivar tambem as virtudes da humanidade. A confraria da Santa Casa da Misericordia d'esta cidade, que tem a seu cargo manter um hospital de enfermos, outro de Lazaros, e uma casa de expostos, mereceu-lhe especial dedicação. Por muitos annos foi seu provedor, e o era quando falleceu, despendendo não pequenas sommas de dinheiro, e cedendo a beneficio dos estabelecimentos de caridade a cargo d'aquella confraria a gratificação que lhe competia como director da Academia de sciencias juridicas e sociaes. Uma vida sempre laboriosa, votada ao serviço da patria e da humanidade, terminou ás 9 horas da noite de 26 de Julho de 1834. Tinha de idade o Sr. Arouche quando falleceu 78 annos, 3 mezes e 14 dias. Durante a sua enfermidade conservou sem pre a segurança de espirito, o bom senso, e sangue frio de que foi dotado em todo o tempo da sua vida. Seu nome é ainda repetido com veneração e saudade por seus innumeraveis amigos; sua memoria será sempre cara á patria e á humanidade. S. Paulo, 20 de Julho de 1843. DR. MANOEL JOAQUIM DO AMARAL GURGEI.. O CONEGO GASPAR RIBEIRO PEREIRA. Nasceu no Rio de Janeiro; foi mestre em artes, e jubilado por indulto apostolico, e um dos primeiros conegos da nova Sé, que occupou a 4.a cadeira, da qual tomou posse a 16 de junho de 1686. Como assistente do bispo D. José de Barros de Alarcam, acompanhou-o á côrte, onde nomeado procurador do Cabido, por eleição de 16 de Maio de 1687, teve de consignação a quantia de 120000 rs., que S. M. dava á fabrica (por não haver outro meio de sustental-o), e as esmolas das missas cantadas nas festas das irmandades e confrarias, ou dentro ou fóra da Sé nas capellas do seu termo, por terem cedido de taes benezes os ministros officiantes em beneficio da procuradoria (1). Finalisados os negocios, e com elles expirando a procuração, tambem se suspendeu a quantia consignada, e o vencimento da congrua com os benezes respectivos, como presente no beneficio, para cuja residencia o notificou o termo capitular de 16 de Maio de 1699. Restituido com o mesmo bispo, foi nomeado visitador das igrejas do reconcavo pelo cabido Sé vacante a 18 de Junho de 1701; mas obrigando-o novos motivos a tratar perante o soberano outros particulares concernentes á diocese, e ao mesmo cabido, commetteu-lhe o corpo capitular essa diligencia, permittindo-lhe tambem que nomeasse substituto para a continuação da visita, afim de seguir viagem na frota d'aquelle anno. Satisfeita a commissão, voltou à residencia do beneficio, e no anno de 1703 passou a Minas Geraes munido de todos os poderes episcopaes, que o bispo D. Francisco de S. Jeronymo lhe delegou, não só para visitar, e providenciar as igrejas nascentes do seu districto, mas para fazer a divisão do bispado por aquelle continente com o arcebispo da Bahia, e defender a entrada de sacerdotes estranhos, que sem nomeação expressa do ordinario do Rio de Janeiro, se introduziam a parochiar os povos disper (*) Consta do termo a fl. 9 do liv. 1. dos termos do cabido: e por esse documento se alcança a posse em que está o cabido de taes direitos. sos pelo coração de um terreno assaz dilatado, por onde parecia que continuava a sua jurisdicção amplidissima, em conformidade da bulla da creação do bispado. Com serviços d'esta natureza foi apresentado na dignidade arcediagal a 13 de...... de 1714, e possuiu-a d'esde 13 de Abril do anno seguinte, até que promovido á dignidade de thesoureiro mór por apresentação de 19 de Novembro do mesmo anno, se impossou d'ella a 27 de Abril de 1716. Occupou as varas do bispado por provimento da Sé vaga em 1721, até a posse do Bispo D. Fr. Antonio de Guadelupe, satisfazendo os deveres de ministro intelligente, e muito são em todos os cargos que serviu. 0 Foi assaz zeloso dos interesses da sua corporação, e da Sé, cujas rendas augmentou, legando-lhe por ultimo 6 mil cruzados para se empregarem a arbitrio, e disposição do bispo, com parecer do cabido, em beneficio da fabrica. Requerendo o conego Albano de Mattos, como testamenteiro, a entrega do legado mandou o bispo por despacho de 4 de junho de 1737, que o conego Prioste o recebesse, para empregal-o na compra de alguma propriedade util a Sé pelo seu rendimento. Achava-se em venda n'aquella occasião uma casa terrea, sita no canto da rua dos Latoeiros, por 450 rs.; e como havia necessidade de para deposito das alfaias e trastes da fabrica da Sé, lançou-se mão da opportunidade, levantando a fabrica um sobrado para aquelle fim, a custo de 3:725 000. a esmola perpetua casa Officioso a favor dos indigentes, instituiu de 2000, que a casa da Misericordia, distribue no dia quinta feira maior, por doze pobres assistentes a acção do lava-pés: para curativo dos doentes da mesma casa, além da quantia de 200000 rs., deixados por uma só vez: legou duas propriedades nobres na rua do Sabão, com o encargo perpetuo de certas capellas de missas por sua alma. Aos padres capuchos da cidade legou tambem a esmola de 16000 rs., para lhe fazerem annualmente um officio de nove lições, e a de 8000 rs., para lhe cantarem sobre a sepultura um responso em cada dia do oitavario dos defuntos; e á enfermaria dos mesmos padres 100 000 rs., por uma só vez. Para as obras da nova igreja de S. Pedro deixou 200000 rs., aos lugares santos de Jerusalem 100 rs.; para se fundar em Lisboa ou no Porto uma capella annual de missas por sua alma quatro mil cruzados; e instituiu outra em seu sobrinho, que devoluta, por fallecimento do administrador, passou ao juizo dos residuos ecclesiasticos, e d'ella tem a juros a irmandade de N. S. da Piedade de Magé a quantia de 400 rs., A' N. S. do Desterro, cujos bens, e igreja (annexa posteriormente ao convento de Santa Thereza) administrára até o anno de 1732, por commissão dos bispos D. Francisco de S. Jeronymo e D. Fr. Antonio de Guadelupe, o total de 660 rs.; á N. S. da Ajuda, cujo recolhimento e bens tambem administrou por iguaes commissões 400 rs.: a N. S. do Carmo em fim, outra quantia semelhante. Destri buindo por este modo o cabedal que possuia, não se esquecent de dotar algumas meninas orphãs, e de soccorrer com legados e esmolas aos seus parentes e amigos, entrados em grande parte nas suas disposições testamentarias, Substituindo a falta da imagem de N. S. da Cabeça construida de Barro, que o capitão governador Martim de Sá, havia collocado na igreja cathedral 1.", em 1616, e se quebrára; mandou fazer de escultura outra em Lisboa, em tudo semelhante á antiga; e recommendando ao seu testamenteiro todo o desvello no preparo do novo altar, onde havia de ter assento a imagem, determinou-lhe demais a esmolla de 50$ 000 rs., para o seu ornato. Esta senhora, a quem a devoção particular do cabido adoptou por sua padroeira, era adorada no altar ultimo da parte do evangelho da igreja de N. S. do Rosario, emquanto alli se conservou a Sé; porém trasladado o corpo capitular para a capella real do Carmo, tambem se transferiu para o altar que antes fora de S. Pedro Martyr, da parte da epistola. O conego Gaspar Ribeiro Pereira falleceu a 8 de Janeiro de 1734, e jaz na capella mor da igreja de Santo Antonio, em jazigo proprio, onde se havia recolhido tambem o corpo de seu irmão o conego Antonio de Sá Pereira, (Das Memorias de monsenhor Pizarro.) Pedro Alvares Cabral, filho terceiro de Fernão Cabral adiantado da provincia da Beira, senhor de Azurara, e alcaide mór de Belmonte e de D. Izabel de Gouvêa, filha de João de Gouvêa, senhor de Almendra, nasceu para augmentar com acções heroicas os herdados brazões de sua illustre casa. Desde a adolescencia frequentou com tão espantosos successos a escola de marte, que o achou a prudente eleição do serenissimo Rei D. Manuel de ser digno successor do famoso argonauta D. Vasco da Gama, em a dilatada e perigosa navegação do Oriente, para a qual sabiu da barra de Lisboa a 9 de Março de 1500, em uma armada composta de 13 naus, e guarnecida de 1:200 homens. Tendo navegado o espaço de 16 dias, se converteu na altura do Cabo Verde a bonança em tão horrivel tempestade, que, arribando um dos navios a Lisboa, foram os outros vagamente descorrendo sem rumo, até que, conduzidos pela Divina Providencia a altura do Polo Antarctico em dezenove graus e meio da parte do sul, se avistou a 24 de Abril uma terra, até aquelle tempo ignorada cuja perspectiva causou excessivo jubilo aos navegantes, assim pela frondosa verdura das arvores, como pela eminente elevação dos montes, e dilatada extensão dos campos. Accompanhado dos principaes cabos da armada, desceu á ferrra Pedro Alvares Cabral, e mandando levantar o sagrado signal da nossa Redemp ção, se celebrou o incruento sacrificio da missa, e no fim d'elle houve sermão a cujas ceremonias assistiam os barbaros igualmente admi rados, que reverentes. Para eterno monumento da sua pie dade intitulou Pedro Alvares a antonomasia de Santa Cruz, que depois se mudou em nova terra com ca, por ter demarcado as terras e costas maritimas d'ella Amea religiosa rico Vespucci, insigne cosmographo, e ultimamente Brasil pela proAmeriducção da madeira que tem còr de brazas. De tão importante descobrimento informou logo Pedro Alvares a El-Rei D. Manoel, por Gaspar de Lemos, segurando-lhe que, havendo dilatado o seu imperio pelas tres partes do mundo, The offerecia o ceo a quarta, para ser senhor do globo do universo figurado na esphera que tomara por empresa. Sahindo d'este porto, que lhe impoz o noine de Seguro, por assim o ter experimentado, se viu um comela que, estendendo a cauda sobre o Cabo da Boa Esperança, foi funesto annuncio da horrorosa tempestade que padeceu a armada, da qual naufragaram lastmosamente quatro navios. Passada tão fatal tormenta, aportou a 20 de Julho na cidade de Quiloa, situada na costa oriental, onde recebeu do seu principe distinctas significações, e celebrando com elle pazes se alteraram brevemente pela inconstancia d'aquelle barbaro. De Milinde passou a Anchediva, e a 13 de Novembro entrou em Calecut, destinada balisa da sua jornada, e como experimentasse o fementido animo do Samorim, para castigo da sua perfidia The abrasou 15 naus ancoradas no porto, e com a artilheria derrubou grande parte da cidade, com a morte de 500 pessoas. chegando a Cochim em 4 de Dezembro, onde estabelecidas pazes com o seu principe e El-Rei de Cananor, voltou para o reino, entrando em Lisboa a 23 de Junho de 1501. Foi recebido por El-Rei D. Manoel com aquellas honras de que eram acredoras as acções obradas em obsequio de tão generoso principe. Foi casado com D. Isabel de Castro, filha de D. Fernando de Noronha, irmão do mordomo-mór D. Pedro de Noronha, e de sua mulher. D. Constança de Castro, de quem teve Fernão Alvares Cabral e Antonio Cabral, que morreram D. Constança de Noronha, que casou com Nuno Furtado, commendador de Cardiga; e D. Guiomar de Cistro, religiosa dominica no sem successão; convento da Rosa de Lisboa. Fazem illustre memoria do seu nome Barros Decad. 4.a da Ind. Liv. 5.0 cap. I, até X. Castanheda Hist. da Ind. Liv. 4.0 cap. 30, até 42, Maf, Hist. Indie liv. 2.o Faria Asia Portug. Tom. 1. part. 1 a res. Istoria del Brasile. Part. 1.a liv. 1. cap. 5.0 Rocha Amer. Porcap. 5. Fr. Gio Giusep. di S. Tetug. pag. 6. Solorzano de Jure Indiar. Tom. 1.o liv. 4. cap. 3.o n. 31, 32, 33. Franc. de S. Maria Diar. Portug. Tom. 1. pag. 104, 411, e 668, e Toin. 2. o pag. 15, 71, e 415. Fr. Ant. de S. Roman, Hist, de la Indie Orient.` liv. 1.0 cap. 11, 12, 13. Puente Comp. de la Hist de la Ind. Orient. liv, 2.0 cap. 3.0 Vasconcel. Notic. do Brasil, liv. 1,0 e seguintes. Lafitau Conqueste des Portugais Tom. 1.0 liv. 2.0 Le Clede Hist. de Port. Tom. 1. pag. mihi 568. Mariz Dial. de mur. Hist. Dialog. 4. Barbuda Emp. Milit. da Lus. pag. 116. Camillo Borrel. Comment: in Arbor Lusit. pag. 119 escreveu. |