Page images
PDF
EPUB

O liberalismo só appareceu no Brasil, como idéa politica e bandeira de partido, depois da reunião da assembléa, em 1826; Costa Carvalho, Feijó, Paula Souza, Vergueiro e outros começaram a represental-o em S. Paulo, mas então achavam-se deportados os Andradas. Antes, estiveram em opposição, no ministerio Andrada, ao tempo da Constituinte, Feijó, Vergueiro, Alencar, etc., e todos elles foram sempre tidos como dos primeiros e principaes chefes liberaes, já não falando em Costa Corvalho.

Dos actos de José Bonifacio, quando governo, só transpiraram o arbitrio, a prepotencia e o desprezo de todos os principios mais liberaes ou democraticos; basta lerem-se as suas portarias constantes do livro das ordens secretas na intendencia da policia no Rio de Janeiro. Na representação de Feijó ao Imperador, em 1823, lê-se:

«Eu, sem ser declamador, desabafava-me com os de minha confiança, rememorando os factos que «mais escandalisaram ao Brasil, como eram as deportações de tantos homens, que tanto trabalharam, e a tanto risco, a beneficio da causa da independencia — as expatriações de outros, que, tendo commettido erros, «não tinham delinquido senão contra aquelle ministro e sua familia, etc »> (1)

Mas, para que procurarem-se documentos, quando temos a proclamação do Imperador, por occasião da demissão do ministerio Andrada, em junho de 1823? São palavras textuaes, que estão no corpo da nossa legislação :

«Ainda que por ora não tenhamos uma constituição pela qual nos governemos, comtudo temos aquellas bases, «estabelecidas pela Razão», as quaes devem ser inviolaveis; são ellas os sagrados direitos da segurança individual e de propriedade e de immunidade da casa do cidadão. «Se até aqui» ellas têm sido atacadas e violadas, é porque o nosso Imperador não tinha sabido que se praticavam «semelhantes despotismos e arbitrariedades», improprias de todos os tempos e contrarias ao systema que abraçamos, etc.» (2)

[ocr errors]

E' esta a ultima palavra na questão.

Demittidos os Andradas, constituiram logo o partido «tamoyo», contra a pessoa de D. Pedro, especialmente: «tamoyos » ficaram sendo os seus paulistas em S. Paulo; o congraçamento dos dous partidos só começou a fazer-se em meiado de 1824, por occasião da partida do estimado marechal Chagas, governador das armas, geralmente tido como uma garantia na provincia; este congraçamento não podia dar-se se os dividissem idéas ou sentimentos politicos; de um e outro grupo sahiram, pela harmonia das idéas e sentimentos, os que de 1826 em deante constituiram o partido liberal em São Paulo.

(1) Carta de 11 de Abril de 1824.
(2) Referia-se ao Ministerio Andrada.

E. R.

A Bernarda de Francisco Ignacio

I

Aproveito-me da generosa hospitalidade que me concede O Commercio de São Paulo para dizer algumas palavras sobre os acontecimentos de 23 de Maio de 1822, tomando em consideração o que no mesmo jornal publicou o cidadão que modestamente se occultou sob as iniciaes E. R.

Vamos por partes.

Começa o distincto escriptor com a seguinte phrase: «E' de admirar que em uma publicação official, e logo nas suas primeiras paginas, viesse uma apaixonada exposição do facto historico-A Bernarda de Francisco Ignacio, na qual á inverdade do escriptor sobresahem as louvaminhas, sobretudo aos dois irmãos Andradas, José Bonifacio e Martim Francisco, e as maiores diatribes ao coronel Francisco Ignacio de Souza Queiroz e ao ouvidor José da Costa Carvalho. A narrativa não é de historiador, mas de um energumeno, etc.>>

Em primeiro logar, não me parece caso para extranheza o apparecimento de um escripto do dr. Paulo do Valle em uma publiblicação official. Queira o cidadão E. R. lêr os Annaes da Bibliotheca Nacional e ha de encontrar nelles muitos escriptos de particulares, antigos, colleccionados e publicados por aquella bibliotheca para beneficio do publico e informação dos curiosos; queira examinar a Revista do Archivo Publico Mineiro e encontrará muitos artigos de escriptores modernos, e ainda ninguem me consta ter extranhado a Teixeira de Mello e Xavier da Veiga a inclusão desses escriptos naquellas publicações officiaes.

Se a narrativa de Paulo do Valle não é de historiador, e sim de um energumeno, quando elle não pertencia á familia Andrada e sómente ao partido liberal, que qualificativos devem ser dados aos artigos que, com o titulo Estudos Historico-Politicos e subtitulo Os Andradas, foram publicados pelo Correio Paulistano e enfeixados em um volume de 120 paginas ha cérca de vinte annos?

Ora, esses artigos, comquanto não trouxessem assignatura, passavam por serem da penna do sr. barão de Rezende e o apreço que o Correio deu ao trabalho justificou a presumpção, que se me transformou em certeza pela affirmação do dr. Eduardo Prado, ainda pouco antes do seu infausto e prematuro passamento; porém, o sr. barão de Rezende é neto da primeira esposa do marquez de Monte Alegre, sobrinho da esposa do coronel Francisco Ignacio e ainda parente muito chegado deste coronel, por ser filho de uma prima e cunhada.

Neste caso, me parece que a sua opinião é suspeita, e a sua narrativa deve resentir-se de muita parcialidade; não podemos, portanto, acceitar sem reservas seu juizo a respeito dos Andradas, inimigos do dr. Costa Carvalho e do coronel Francisco Ignacio. Temos de ir buscar outras fontes de informação, e foi o que eu fiz nos meus modestos escriptos, baseando-me sobre opiniões de homens que não eram aparentados com os Andradas e pertencentes a

todos os partidos.

No folheto mencionado encontram-se como documentos instructivos nove cartas do coronel Francisco Ignacio, cartas intimas, dirigidas ao seu concunhado barão de Valença, em que o mesmo se expande á vontade contra José Bonifacio e seus irmãos; porém, esses documentos são todos graciosos e não provam cousa alguma, servindo apenas para demonstrar a intensidade dos odios que dominavam a provincia naquelles tempos.

Chega-se ahi a avançar que José Bonifacio e Martim deviam a Francisco Ignacio «a sua elevação ao governo» e que Martim tentou nomear o brigadeiro Joaquim Marianno Galvão governador das armas de S. Paulo para pagar com esta nomeação «uma fiança de vinte escravos, a 1208000 cada um e por seis annos!» (pag. 70.)

José Bonifacio foi quem escolheu o pessoal do Governo Provisorio e, portanto, quem nelle collocou o coronel Francisco Ignacio; não podia dever a sua elevação áquelle a quem elle tinha elevado. A affirmativa de Martim querer pagar uma divida de 2:400$ ao brigadeiro Galvão com a nomeação deste para governador das armas da provincia é tão offensiva ao caracter de ambos e tão contraria á provada honestidade pessoal de Martim Francisco, que não merece o menor credito e a mais ligeira refutação.

A' pag. 73, lê-se que os Andradas eram uns «tigres ambiciosos e famintos e muito baixos para se medirem em honra com João Carlos da Oeynhausen.» Só um despeitado ou inimigo rancoroso poderia avançar isto. João Carlos pouco tempo esteve em S. Paulo para bem se conhecer a extensão da sua honradez, e era tão patriota que preferiu abandonar o Brasil e a sua cadeira de senador para acompanhar D. Pedro a Portugal depois do 7 de Abril de 1831.

Logo adeante se diz que Martim fez o cofre nacional pagar a divida de 9008000, que um tal Merciano devia a Antonio Carlos, e que José Bonifacio recebia no Rio de Janeiro o ordenado de ministro e mais a quantia de 2:400 000 por logares que não exercia em S. Paulo; allega-se que tudo isto se pode provar, mas não se encontra no folheto prova alguma!

Tambem Costa Carvalho foi accusado de ter deixado a regencia trina por desavença com um dos regentes e de se ter retirado para S. Paulo, mas continuando sempre a receber os ordenados do cargo de regente, que não exercia, nem renunciou.

Na sua ultima carta intima, conta o coronel Francisco Ignacio que o marechal Candido Xavier de Almeida e Souza, ao entrar na cidade, como emissario dos Andradas, teria sido insultado pela populaça e mulheres, se elle, coronel, não o tivesse impedido.

E' muito provavel, porque a cidade estava entregue aos reac cionarios e sua gente e corriam perigo real todos aquelles que não commungavam nas suas idéas e nos seus planos. Pedro Taques e José Rodrigues andavam pelas ruas de trabuco na mão angariando proselytos.

Em Ytú, centro armado do liberalismo paulista, tambem foi insultado o coronel Macedo, emissario de João Carlos e de Francisco Ignacio, e teria sido massacrado pelas mulheres, se não tivesse sido promptamente soccorrido por Pedro de Brito de Caminha, commandante da força armada local.

E aqnella gente era toda amiga de Feijó e Paula Souza, assim como a gente que restava em S. Paulo era a dos reaccionarios; e quando de parte a parte até as mulheres sahiam á rua para insultar e apedrejar os militares do partido opposto, é que se vem falar em violencias dos Andradas!

II

A primeira serie das cartas do coronel Francisco Ignacio pertence ao periodo de José Bonifacio-ministro; a segunda serie contém poucos documentos e se refere ao tempo em que os Andradas já não dispunham do poder; mas nem por isso a linguagem é menos amarga e as accusações são menos violentas.

Começa-se ahi dizendo que «a provincia toda odeia os Andradas e que tropas são necessarias para a segurança da provincia». Parece extravagante que os Andradas, estando ausentes de S. Paulo e já não sendo ministros de Pedro I, ainda a provincia se achasse de tal modo anarchisada que precisasse de força do Rio de Janeiro para apazigual-a. José Bonifacio devia ter nella ainda muitos

amigos para que tal anarchia pudesse existir, e nesse caso não era tão odiado como affirma o coronel Francisco Ignacio.

Na mesma carta, tratando dos membros do novo governo, prosegue o coronel :

«

O presidente, o marechal Candido, é seu parente (dos Andra<< das) e por isso não lhe pode desejar mal; Anastacio Trancoso é << um dos seus maiores partidaristas... O capitão-mór João Baptista é parente mui proximo do conego João Ferreira e as rela<ções destes com os Andradas são bem notorias. O vigario João « Gonçalves é muito bom parocho, deixa-se illudir pelo padre Ilde. << fonso, de quem é tio. Eis aqui as pessoas que compõem o actual « governo: todos elles seguem mais ou menos o partido dos Andra<das e perseguem os desaffeiçoados.>>

mes.

E' interessante este modo de raciocinar, que aliás tem dois guPara o marechal Candido Xavier ser um bom presidente do governo collectivo era preciso que não fosse parente dos Andradas (qual era esse parentesco?) e que lhes deseiasse mal, isto é, era necessario que fosse parente e amigo do coronel Francisco Ignacio; então, sim, seria um bom governador e só perseguiria os affeiçoados dos Andradas.

O coronel Anastacio Troncoso, velho de 71 annos e pertencente a uma antiga e illustre familia paulista, tambem não prestava, porque era partidista dos Andradas e não perseguia os seus amigos.

A respeito do coronel Anastacio lê-se, em nota do rodapé, que uma força que Francisco Ignacio tinha equipado a sua custa para abrilhantar a recepção do Principe Regente fora por este dispensada em consequencia de intrigas. Julgo dever abrir aqui um parenthesis:

Era costume dos tempos coloniaes, até 1822, montarem os fidalgos, a sua custa, corpos de tropas, mais ou menos numero— sos, conforme a fortuna de cada um, dos quaes elles tinham o commando. A principio esses corpos não tinham disciplina regular, não eram fardados, e os seus armamentos eram das mais variadas especies. O seu fim era a exploração dos sertões e a caçada de bugres e o seu nome era bandeirantes. Mais tarde, tendo cessado as bandeiras, os corpos que se levantavam eram regulares, disciplinados e armados com as armas européas do tempo, e seu fim era a guerra contra os castellanos no Rio Grande do Sul. O brigadeiro Joaquim José Pinto de Moraes Leme, que depois tomou parte activa em A Bernarda, ao lado do coronel Francisco Ignacio, armou a sua custa um bom corpo de tropas, a sua frente marchou para o Sul no tempo do capi

« PreviousContinue »