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de duas leguas de terra, com a designação-«o mosso». (Vide documento n. 2 do Esboço Historico), e é desnecessario de monstrar agora a prole delle, visto ser um dos proprios doadores das

terras.

Bernardo Rodrigues Bueno, genro de Francisco Alvares Marinho, tinha uma filha, de nome Anna Maria das Dores, que casouse com Manoel da Costa, de cujo matrimonio nasceram diversos filhos e filhas, entre os quaes um de nome Sebastião Rodrigues Bueno, que occupou diversos cargos na administração da villa, e casou-se com Maria Nunes Chaveiros.

O referido Manoel da Costa, em virtude de seu casamento com Anna Maria dos Dores, filha de Bernardo Rodrigues Bueno, tornou-se herdeiro da metade das terras pertencentes a Francisco Alvares Marinho, sendo que a outra metade pertencia, como herdeiro deste, a Francisco de Pontes Vidal, por parte de sua mulher.

Podemos inferir que a dadiva feita á camara na occasião da mudança por Francisco Alvares Marinho, certificada pelos officiaes da camara no requerimento de Bernardo Rodrigues Bueno, fosse verbalmente; porque, no dia 2 de Julho de 1679, a camara declarou ao capitão-mór, e ouvidor da comarca, Luiz Lopes de Carvalho, que ella não possuia terras, e neste mesmo dia, sendo chamados os senhores Francisco de Pontes Vidal e Manoel da Costa, estes deram á camara 250 braças em quadro de terreno cuja demarcação foi feita como consta o documento annexo n. 1.

Sendo este documento de doação assignado por Francisco de Pontes Vidal e Manoel da Costa e não constando que existissem outros pretendentes ás terras do fallecido Francisco Alvares Marinho, é razoavel affirmar que não havia outros herdeiros sinão aquelles que assignaram a doação, e seus descendentes.

Egualmente devemos inferir que até aquella data os herdeiros de Francisco Alvares Marinho, ou, como dizem no termo da doação: «erdeiros de Cosme Fernandes», não tinham repartido entre si as referidas terras, sinão não havia razão dos dois assignarem a escriptura; porém mais tarde, entre os annos de 1679 e 1696, as terras de Cosme Fernandes foram divididas, ficando Manoel da Costa e seus herdeiros com a parte que fazia frente para o Mar-pequeno, e os herdeiros de Francisco de Pontes Vidal com a parte que fazia frente para o Rio Ribeira, sendo a linha divisoria em distancia approximadamente egual entre o Mar-pequeno e o rio Ribeira.

Além desta doação de 1679, houve outras em diversas epochas posteriores, augmentando a quantidade do terreno pertencente á

villa, das quaes existem alguns documentos referindo-se ao primeiro dono Cosme Fernandes.

No anno de 1830, em audiencia do juiz de paz, José Innocencio Alves Alvim, do dia 18 de Setembro, houve uma conciliação relativa ás terras no porto da Ribeira, entre partes: Ignacio Antonio de Souza por si e por sua mãe, e Sebastião Rodrigues, Lima e outros, em cujo auto consta o seguinte: O herdeiro Salvador respondeu : Que sendo seus ascendentes senhores das terras do Porto, por titulos legitimos, aconteceu vir a esta villa hum Ouvidor por nome Manoel de Mello Godinho Manso, o qual mandou queimar os ditos titulos. Que passando um grande numero de annos tendo varias pessoas tomado posse de parte das ditas terras no porto da Ribeira, o seu pae, delle supplicado, por nome Raimundo Rodrigues Pereira, fizera uma justificação para mostrar que aquellas terras lhe pertenciam, cujo documento existe no cartorio desta villa, e é o unico titulo que ora ha dessas terras». Mais adeante, no mesmo auto de audiencia, encontra-se o seguinte: «Que além de todas estas circumstancias existe mais a favor do supplicado uma, e vem a ser:Que estando aquellas terras oneradas com a pensão de uma missa annual pela alma de Cosme Fernandes Pessoa somente elle supplicado, e seu fallecido pae, cumpriram aquelle onus, sem que os mais herdeiros contribuissem para isso».

Não devemos duvidar que o bacharel que viveu tantos annos entre os indigenas, tendo pelo menos uma filha, sinão não podia ter fornecido um genro seu para servir de interprete ao Diogo Garcia, tivesse escolhido para si e sua familia um dos logares mais apropriados para sua vivenda; e o logar mais aprazivel proximo á antiga villa é o logar onde mais tarde se achava estabelecido Francisco Alvares Marinho e onde actualmente existe a cidade de Iguape.

Não podemos ter a minima duvida sobre ser o dito Francisco Alvares Marinho o herdeiro de Cosme Fernandes, em vista de tantos documentos que existem, provando que os descendentes delle se consideravam como herdeiros de Cosme Fernandes. Agora: não é possivel ter elle sido o bachare! desterrado

em 1501?

Perguntamos mais: de onde vem a noticia que ha na nota numero 10 do primeiro tomo da Historia Geral do Brazil, por Adolpho de Varnhagen, onde diz: «Em S. Vicente havia pouco depois outro bacharel que chamavam Mestre Cosme ?>

Basta estudar um pouco a historia para ficar convencido

que Gonçalo Monteiro, capitão commandante do littoral, nomeado por Martim Affonso de Souza, mandou reunir em S. Viccente os moradores europeus de Iguape, cuja ordem foi cumprida pelos portuguezes aqui existentes, entre os quaes o bacharel.

Desejava muito saber a origem da noticia dada pelo sr. Varnhagen a respeito do bacharel Mestre Cosme, cujo tratamento parece-me sufficiente para chamar a attenção de qualquer pessoa, devendo-se lembrar que, si nós, hoje, damos aos homens de pergaminho a importancia que merecem, tanto mais era o respeito, na era de 1530 a 1540, do povo para um bacharel, e que ninguem ousava chamal o simplesmente << Mestre Cosme.>

Estarei, talvez, enganado; porém acredito que Cosme Fernandes de Iguape é o mesmo Mestre Cosme de São Vicente,

sendo elle o bacharel desterrado em 1501.

E' possivel que haja algum documento entre os papeis juridicos em Portugal, que possa provar o seu nome, e dar votos para que seja encontrado um que prove o nome do celebre bacharel que aqui em Iguape é considerado como sendo seu fundador.

Iguape, 1902.

ERNESTO GUILHERME YOUNG.

ANNEXO N. 1

Termo do rocio desta villa

Aos dois dias do mez de Julho de mil Seis Senttos e setenta e nove annos e nas cazas do Senado desta Villa os officiaes da Camara della os abaixo-aSignados requireram ao Capitão-Mor Ouvidor Luiz Lopes de Carvalho que esta Camara não tinha terras medidas nem demarcadas que para se saber o que hera do conselho lhe mandasse medir o que fosse licito para se fazerem cazas indo esta Villa em augmento e pelo dito forão mandado chamar o Capitão Manoel da Costa e o Capitão Francisco de Pontes Vidal por serem os herdeiros de Cosme Fernandes Pessoa de quem as ditas terras forão, e lhes pedio em nome do Senhor Conde Donatario, de que elles quissessem dar terras para Rocio desta, ao que elles responderam herão contentes e davão de suas livres vontades duzentas e cincoenta braças craveiros de terras em quadra para Rocio desta Villa, as quaes começão da Barra do Rio Ypiranga da banda nordeste e acabaria para a banda do sudueste, e logo pelos ditos Officiaes da Camara em presença do dito Ouvidor e adoadores forão medidas as ditas duzentas e cincoenta braças, e acharão acabarão adiante da casa de Francisco Guedes, aonde está na Rebuleira de mato alto e outro tanto se intenderá para a banda do noroeste e de como assim os ditos adoadares deram as ditas terras para o Conselho e Rocio desta Villa de suas livres vontades os ditos Officiaes da Camara aceitarão, mandando fazer este termo onde todos aSignarão. E eu, Jeronimo de Araujo Escrivão da Camara que o escrevy.-Valemtim Rodrigues.-Francisco de Pontes Vidal. -Manoel da Costa. -Antonio Franco.-Cruz de Belxor Forão. -Felipe Perera.-Manoel Martins de Miranda.-Luiz Lopes de Carvalho.

E. G. YOUNG.

A proposito de João Ramalho

Meus Senhores.

Bem acertado andou o Instituto, em uma das suas sessões anteriores, não encerrando o debate motivado pelo parecer da commissão nomeada para examinar, em papeis publicos do Archivo da Camara Municipal de S. Paulo, a assignatura de João Ramalho.

O assumpto não estava, de facto, exgottado, e seria pena pôl-o assim á margem sem esperar, depois de publicado o parecer, pelo esclarecimento ou elucidação da questão por parte de outros estudiosos das cousas patrias.

Que as investigações proseguiram, prova-o esta valiosa contribuição que ora tenho a satisfacção de apresentar ao Instituto, feita pelo nosso digno consocio, o sr. Horacio de Carvalho, director do Diario Official do Estado, o qual, possuindo conhecimentos da litteratura oriental, e por mim consultado sobre aquelle signal curvo verificado na assignatura do famoso aventureiro, deu-se ao arduo trabalho de investigar, e fel-o com tanto interesse e largueza de vista, que escreveu essa monographia, testemunho bem real da sua erudição e competencia na materia.

Declaro ao Instituto que, no intuito de aprofundar o assumpto, deixando-o extreme de toda duvida, cheguei a appellar para alguns especialistas extrangeiros e tenho a promessa de um delles de que a questão do signal symbolico, submettida a orientalistas competentes, terá em breve uma solução satisfactoria, confirmando de certo os resultados a que chegou o nosso erudito consocio.

O trabalho deste, como vedes, é longo e tão enriquecido de citações, desenhos e signos, como a materia o exigia, que difficil, sinão impossivel, será ao auditorio comprehendel-o sem ter cada qual deante dos olhos o proprio texto com todos os seus signaes cabalisticos, e caractéres hebraicos, cuja origem e interpretação nos dá tão minuciosamente o nosso distincto collaborador. Esse interessante estudo é antes, porêm, para ser lido do que ouvido.

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