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acto algum publico a qualificação de fidalgo attribuida a Ramalho. Mas a isso responde cabalmente a observação de Frei Gaspar, a proposito da deficiencia da lista que dá dos fidalgos de S. Vicente. Diz elle: << Nem bastaria que nomeassem os Cartorios todos os Fidalgos, que assistiram nesta Capitania, em os primeiros annos, para se saber que elles tiveram o fôro: porque os Escri– vães muitas vezes deixavam de declarar esta circumstancia: até mesmo os sujeitos a quem os Notarios dão o tratamento de Fidalgos em papeis mais antigos, ao depois se encontram algumas vezes sem esse titulo em documentos posteriores, lavrados pelos mesmos Escrivães que fizeram os antecedentes» (1).

A demolição e arrazamento de S. André, attentado inaudito, tudo explicará aliás, para os homens de san consciencia!

Demais, o desapparecimento dos papeis dos cartorios de S. Vicente e até o do livro ou cad. 1.o dos registros da villa de S. André, outr'ora existentes no Archivo da Camara desta Capital, são factos lamentaveis e notorios...

Proseguindo, porêm, em nossa ardua tarefa, vamos achar em diversos escriptores que se occupam de Heraldica, que << os cavalleiros recentemente ennobrecidos usavam, em suas armas e sinetes, do ELMO OU CAPACETE DE AÇO POLIDO, SEM GRADE, DE PERFIL (isto é, voltado para a direita) E COM A VISEIRA QUASI SEMPRE DESCIDA » (2).

Pois bem, o uso do sinete com o emblema do elmo é attestado como peculiar dos Cavalleiros, desde o seculo XIV, por Chassant et Delbarre, em seu Dicc. de Sigillographia verboChevalier.

O sabio A. Maury é, porêm, de uma lucidez admiravel, quando, na Revista dos Dous Mundos, estuda em traços geraes a Sigillographia (3). Diz elle textualmente: Vers le millieu du XIV siècle, les gens du conseil du roi, qui ne savaient pas écrire, devaient mettre leur signet ou cachet en guise de souscription aux lettres passées au conseil, et l'on voit à la même époque une foule de seigneurs, DE CHEVALIERS, ne sachant pas signer et TRAÇANT SUR LES CHARTES, au lieu de leurs noms, UNE GROS-IÉRE FIGURE COMME UN CASQUE, une tête d'animal etc. (3).

Releva notar que o uso do sinete subsistiu, mesmo depois que os nobres adquiriram instrução, o que se dava no XVI seculo. (Vide Maury e Chassant, cits.)

(1) Memorias cit., pag. 61. (2)

Grande Encyclopedie du XIX siécle, verbo Encyclopedico. cit., verbo

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Armes Moyen Age. Dice. Armaria pag. 1244, 2. col. e fig. 77. Bachelet et Diction. de Lettres, Beaux Arts et Sciences morales verbo Casque. (3) Revue des Deux Mondes.-3.o period., vol. 5., pags. 808 e 809.

Dezoby

O sinete do cavalleiro, em ultima analyse, não era mais do que a persistencia da tradição do jus annuli dos Cavalleiros romanos (1).

Confrontando-se agora, com a calma da imparcialidade e a necessaria attenção, o tosco signal de J. Ramalho com o elme de cavalleiro novel, constante do Dicc. Encyclop. Port. citad. ou do Album historico, de Parmentier e Lavisse, ou outra obra que reproduza elmos de cavalleiro, verificar-se-á a plausibilidade, e mesino a certeza approximada, da hypothese, como a unica acceitavel, entre todas as explicações dadas.

Releva notar que o uso do elmo ou capacete, como insignia de nobreza é tão antigo entre nós, e tão profundamente se radicou em nossos costumes, que ainda hoje é commum encontrar se o seu emblema em cartões de visita, sobreposto ao nome dos Cavalheiros de Christo.

E' certo que se singulariza o fato do uso de tal signal por João Ramalho, não constando uso identico por parte de algum dos seus contemporaneos, cavalleiros, como elle.

De parte o facto do desapparecimento de papeis, a isso parece-nos facil responder-se, com a circumstancia de ser Ramalho recentemente ennobrecido em sua pessoa, e não por linhagem, como os demais, e necessitar, victima como era, de perseguição tena e violenta, de reivindicar os fóros que lhe competiam, maximé em actos publicos.

Já vimos, alêm disso, que a nobreza só lhe fôra concedida como predicamento do seu cargo.

Pensamos ter demonstrado, na medida de nossas forças, a iniquidade do labéo atirado, atravéz dos seculos, ao benemerito

(1) Reinach.-Man. de Philologie classique, vol. 1., nota 1. pag. 302. Grande Encyclopedie

verbo

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Anneau.

fundador de S. André, ao lendario progenitor dos sertanistas, e bandeirantes de S. Paulo, ao velho servidor publico, ao fidalgo de titulos do proprio esforço, cuja memoria bem merecia uma rehabilitação publica, arvorando-se, ao menos, no local das ruinas da sua querida villa, tão proximas desta capital, um padrão, que attestasse aos posteros a gratidão dos Paulistas, seus descendentes e continuadores, na energia, na iniciativa e no civismo (1). Em boa hora, sabemos que um grupo de patriotas, habitantes ou vinculados á villa de S. Bernardo, trata de elevar uma capella dedicada a S. André, no local das ruinas.

Ainda bem.

Redintegratio quæ sera tamen...

ADDENDUM

Estudos reiterados nossos, sobre o ponto controvertido, vieram, após a apresentação desta Memoria, modificar as suas conclusões no que respeita á significação do signal da assignatura de João Ramalho, mantidas as demais conclusões sobre sua fé e nobreza.

Um trecho, a nosso vêr, luminoso para o caso, do livro Noticias de Portugal, de Manoel Severim de Faria, escriptor do 17. seculo, que Camillo Castello Branco assignala como encerrando optimos elementos para historiadores e genealogicos (2), veiu trazer-nos uma explicação clara, racional e convincente. para aquelle signal.

Diz Faria, á pag. 98-99 do seu livro:

«Os castellos são antigas divisas das mesmas terras, como se pode vêr longamente, na Noticia dos Imperios.

« Pelo que os mais dos Alcaides e Senhores que os tiverão por solares, ou os tinhão a seu cargo, os tomarão por armas ».

Ora, sabendo-se que, pelas ordenações portuguezas, quer Affonsinas, quer Manuelinas, quer eram os guardas dos Castellos ou cidades e villas fortificadas, termos

Philipinas, os Alcaides-móres commandantes das praças ou esses, aliás, que, na lingua

gem daquellas ordenações, se synthetisam na expressão - Castel

(1) Vide O Municipio, pelo Dr. J. de A. Carneiro Maia, pag n. 30.

(2) Curso de litteratura portugueza, pag. 95.

los; sabendo-se, por outro lado, que J. Ramalho era Alcaidemór da villa de S. André, por elle mesmo fortificada com baluartes e trincheira (1) por ordem do Governador Thomé de Souza; sabendo-se, finalmente, que as assignaturas estudadas foram lançadas pelo dito Ramalho nas actas de vereanças daquella villa, na qualidade de Alcaide-mórá vista de tudo isso, é incontestavel que Ramalho tinha o direito e obedecia a praxe antiga de firmar sua assignatura, no acto, com a divisa ou insignia do Castello.

Observando-se, porêm, o signal em questão, vê-se que é manifesta sua analogia de fórma com as tabas indigenas e com as torres dos castellos ou praças fortes do tempo. As muralhas em semi-circulo apresentam a aberta da porta ou entrada, para o aprovisionamento da praça.

Como se sabe, S. André, villa situada na fralda da serra, á borda do campo, como indica o seu nome, estava exposta a constantes ataques dos tamoyos e outros indios que infestavam a costa, e, pois, precisava possuir obras de defesa.

E', portanto, inteiramente plausivel a hypothese de ter Ramalho, o fundador della e seu Alcaide-mór, adoptado em sua assignatura o signal emblematico, embora tosco, das suas fortificações, para accentuar sua diguidade de Alcaide e seu caracter de fundador.

De todas as hypotheses suggeridas até agora, inclusive a nossa, do elmo ou capacete, de que desistimos por não se relacionar directamente com a funcção desempenhada, no acto, por J. Ramalho, parece-nos ser esta, que, ora apresentamos, a mais convincente, por sua simplicidade, racionalidade e connexão com o cargo, como demonstraremos longamente, em Memoria, que apresentaremos em tempo ao INSTITUTO.

S. Paulo, 8 de Novembro de 1903.

J. C. GOMES RIBFIRO.

(1) Memorias cits. de Frei Gaspar da M. de Deus, I, ns. 157 e 158.

Divisão decimal do dia

POR

EDUARDO LOSCHI (1)

Si as distancias, as superficies, os volumes, os liquidos, os pesos e as moedas gozam dos beneficios do systema metrico decimal, por que razão deveremos privar de taes beneficios o tempo?

Divisão decimal do dia

A determinação do meridiano verdadeiro e das coordenadas geographicas de um ponto são operações indispensaveis na marinha para conhecer as posições dos navios nas longas viagens e em geodesia e topographia para fixarem-se nos mappas os pontos da terra explorados pelas commissões geographicas e serem respectivamente archivadas.

Nestas operações são necessarias: um chronometro para medir o tempo e um sextante, um theodolito, um universal ou outro instrumento, para medir os angulos.

Os calculos para transformar em coordenadas ortogonaes as coordenadas geographicas medidas em arco de circulo ou em tempo, si bem que facilimos, não deixam de ser enfadonhos, pois que sendo o chronometro dividido sexagesimamente, o instrumento que o acompanha para as observações dos astros é sempre preferido com a antiga divisão sexagesimal. Sómente nas operações topographicas, nas quaes o chronometro é dispensado, se pode usar, indifferentemente, o circulo dividido sexagesimal ou centesimalmente.

(1) Trabalho lido pelo auctor na sessão de 25 de Janeiro de 1902, no Instituto Historico e Geographico de São Paulo.

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