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que nelle passa, e que a distancia entre este meridiano e o que passa pelo observatorio do Rio de Janeiro é de 383968 metros medidos sobre o equador.

Bastaria dar-se a pena de executar os calculos exigidos pelo systema sexagesimal para se conhecerem ditas distancias e nós nos convenceremos das inestimaveis vantagens da divisão decimal do circulo e do dia.

A adopção da divisão decimal do circulo, do equador e do dia facilitará a todos os povos da terra de se entenderem mais facilmente em relação aos comprimentos, angulos e tempo, pois que estes tres elementos essenciaes dos calculos serão medidos, escriptos e pronunciados unicamente pelo systema metrico decimal.

São Paulo, 25 de Janeiro de 1902.

Qual foi o principal chefe da nação Tupi,

na

região nomeada Piratininga ? Quem commandou o cerco e ataque de Piratininga em 10 de Julho de 1562 ?

MEMORIA LIDA NA SOCIEDADE DOS HOMENS DE LETTRAS DE S. PAULO, NO DIA 7 DE OUTUBRO DE 1888, PELO DR. João MENDES DE ALMEIDA, SEU PRESIDENTE (1)

(Rectificada e corrigida)

I

Piratininga é o nome antigo da povoação, que é hoje a cidade de S. Paulo.

O nome Piratininga é derivado do affluente do rio Tieté, pela margem esquerda, tambem conhecido pelo nome Tamanduatehy.

Com effeito, em escripturas antigas é mencionado o rio Piratininga, e em outras, do mesmo tempo, o rio Tamanduatehy.

O rio, portanto, tinha esses dois nomes, e é facil explicar esse facto, sendo sabido que esta região foi disputada por mais de uma nação indigena e cada qual, para exprimir o signal da conquista, mudava aos logares os nomes anteriormente dados pela nação vencida, sem que todavia a esta deixassem de ficar em lembrança.

ahi

Quando Martim Affonso de Souza aportou á Bertioga, em 1531, encontrou no littoral até Ararapira a nação tupi, a qual sem duvida havia vencido a nação guayanáz ou goiá-ná, que e em cerra acima dominava. E, si em 1531 não fossem da nação tupi os dominadores de Piratininga, os de Bertioga não lhes teriam mandado aviso afim de que accudissem com as precisas providencias; e de Piratininga, desceram Tibiriçá e João Ramalho, acompanhados de centenas de indigenas, para fazerem o reconhecimento.

(1) Esta Memoria foi publicada na Provinaia de S. Paulo de 12 desse mesmo mez e anno. Agora a reproduzimos com as rectificações deixadas pelo auctor.

Em uma Informação, existente na bibliotheca de Evora, em Portugal, e attribuida ao padre JOSÉ DE ANCHIETA, que então era o provincial do Brasil, foi escripta a seguinte noticia: «Na (capitania) de S. Vicente, que é de Martim Affonso de Souza, á qual elle mesmo foi ter com a armada, depois de haver nellas alguns poucos e antigos moradores, e accrescentou muito, houve capitães, ordinariamente, assim como nas mais capitanias, postos pelos senhores; nunca nella houve guerras com os indios naturaes que se chamam Tupis, que sempre foram amigos dos portuguezes, salva no anno 1562, que uns poucos do sertão por sua maldade (ficando a maior parte amiga como dantes) deram guerra a Piratininga, villa de S. Paulo...». Nesta Informação são declaradas as nações de indigenas predominantes em cada capi

tania.

Em 1559, escrevia a Thomé de Souza, governador da Bahia, o padre MANOEL DA NOBREGA: «O anno passado me escreveram que vieram os castelhanos a vingar á morte de alguns christãos e indios carijós, que os Tupis de S. Vicente haviam morto, havendo o capitão do Paraguay feito pazes entre os tupis e carijós, que não lhe cumpriram, pelo qual vieram castelhanos e carijós a vingar isto e foi a mortandade tanta que fizeram nos tupis que despovoaram o Rio Grande, e vinham fugindo para o mar de S. Vicente, com medo dos castelhanos ». Este « rio Grande é o rio Tieté, cujo significado é esse.

A villa Piratininga não estava ainda então installada, pois que só foi em 1560. E, a este respeito, vale a pena transcrever o que, na mesma já citada Informação, o padre JoSÉ DE ANCHIETA dizia: « No anno de 1554, mandou o padre Manoel da Nobrega os filhos dos indios ao campo, a uma povoação nova chamada Piratininga, que os indios faziam, por ordem do mesmo Padre, para receberem a té ».

Tudo isso prova quão falsa é a narração que, sob a data de 22 de Janeiro de 1552, foi enxertada no Diario de Navegação de PEDRO LOPES DE SOUZA, com referencia á fundação da villa Piratininga em tal época (1532), como demonstrei, por outras razões, no folheto- «A Capitania de S. Vicente» -S. Paulo, 1887.

A primeira missa foi dita na egreja do Collegio dos Padres da Companhia de Jesus, em 25 de Janeiro de 1554.

Assim demonstrado que, não os guayanazes, mas os tupis, eram os dominadores em Piratininga, e que portanto Piqueroby c Tibirica eram desta nação, e não daquella, ao inverso do que tem sido escripto e que eu mesmo reproduzi na obra Algumas Notas Genealogicas, pelo que ouvira e lêra, volto a questão do rio Piratininga.

Frei Gaspar da Madre de Deus, nas Memorias para a historia da capitania de S. Vicente, affirma que o Tamanduatehy é o Piratininga dos antigos.

Em documento de 1560 1570 foi escripto indifferentemente Pyratyny e Piratininga

Os campos de Piratininga se entendem os que estão ao longo da margem esquerda desse rio e a villa de S. Paulo foi fundada na extremidade fechada pelo rio Tieté e a sua varzea.

Piratininga, corruptela de Pi-ra-tiny-nga, sinuoso e leito desegual. De pi, centro, fundo, rá, descgual, não nivelado, tiny ou teny, fazer voltas, enrodilhar, ser sinuoso, com a particula nga (breve), para formar supino.

Allusivo a ter o leito com altos e baixos, buracos e poços, derramando-se tambem, ora á direita, ora à esquerda, e a fazer innumeras veltas em seu curso.

Não se trata, portanto, de pira-tyni-nga, peixe secco, embora o som seja quasi identico. O indigena era muito intelligente para não cogitar de tal denominação para rio ou para campo. Mas a verdade é que, quando ignorava a lingua tupi, tambem acreditei nessa e em outras tolices attribuidas aos indigenas.

II

Proximos a Piratininga ha a serra e ribeirão do Ururay, serra e ribeirão, uma e outro mencionados nos titulos de sesmaria de Pedro de Góes, de 10 de Outubro de 1532, e de Ruy Pinto, de 20 de Fevereiro de 1533.

No ultimo titulo ha mais clareza: «E, atravessando o dito caminho (de Piratinim), irá pela mesma serra (o serro alto que vai sobre o mar) até chegar sobre o valle de Ururay, que é da banda do norte das ditas terras, onde a serra faz uma fenda por uma sellada, que parece que fenece por alli, a qual serra é mais alta que outra por alli ajunta e della que vem por riba do valle de Ururay, da qual aberta cáe uma agua branca; do alto desta dita barra desce directamente ao rio Ururay, e pela veia dagua irá abixo até se metter no mar e outeiros escalvados... »

Fiz os maiores esforços para interpretar o nome Ururay, applicado á serra e ao ribeirão: não o consegui.

Entendo, portanto, que esse nome Ururay foi attribuido á serra e ao ribeirão, sómente por estarem na região em que existia a grande tuba de Piheróbia, nome este corrompido em Piqueroby, a qual era assim denominada, segundo o descreveram chronistas.

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Ururay, nome de tába, é manifestamente corruptéla de Y-rurai, « geração, nação ». De y, relativo, rû, « accrescentar, augmentar, crescer em numero», rai, o mesmo que tai, «filho >. Allusivo a ser essa a tába principal, onde estava o chefe da familia, o chefe da nação.

Mesmo o nome deste chefe, Pi-heróbiâ, « centro fixo e superior, coincide para aquella explicação do nome Ururay:-pi, <«< centro », heróbiâ, « auctoridade, confiança, respeito, obediencia, honra, estima, credito, fixidez ».

A filha deste chefe, que vivia maritalmente com Antonio Rodrigues, portuguez, quando em 1531, ao canal Bertioga aportou a armada de Martim Affonso de Souza, é a progenitora indigena das principaes familias da capitania de S. Vicente e S. Paulo, como o mostrei na obra Algumas Notas Genealogicas.

Não era chefe goiá-ná; era tupi.

Nem de outro modo é explicavel a sua auctoridade, invocada quando appareceu e fundeou em Bertioga aquella armada.

III

Na obra Algumas Notas Genealogicas, querendo verificar a procedencia indigena das principaes familias da capitania S. Vicente-- S. Paulo, deparou-me PEDRO TAQUES DE ALMEIDA PAES LEME, em seu livro Nobiliarchia Paulistana, a proposito de Mecia Fernandes, casada com Salvador Pires, precioso esclaremento, qual o de ser ella filha de Antonio Fernandes e de sua mulher Antonia Rodrigues, esta-filha do maioral de Ururay, chamado Piquiroby; o qual Antonio Rodrigues, genro de Piquiroby, veiu com João Ramalho, trinta annos antes de Martim Affonso de Souza.

E, porque a referida Mecia Fernandes tivera, entre outros filhos, uma de nome Maria Pires, a qual casou-se com Bartho lomeu Bueno da Ribeira, fui desde logo tocado da intuição de que este não teria sido acclamado Rei de S. Paulo em 1641, se realmente não tivesse sangue regio indigena, e escrevi:

<< Mas, este facto, tornado legendario, teve necessariamente uma causa mysteriosa, de que os hespanhoes foram meros instrumentos... Certamente à Providencia quiz, ainda que por momentos, revelar em Amador Bueno da Ribeira a verdadeira proeminencia, a exemplo de Romulo e Remo, pelo sangue brasilico que lhe corria nas veias. A figura régia de Piquiroby, maioral de Ururay, reapparecia naquelle seu illustre descendente, trans-animado em condição a mais extraordinaria, tambem ainda para attestar que, não talvez Tibir-içá, mas elle--Piquiroby, era o chefe principal da nação goiá-ná».

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