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Vê-se, pois, que em data de 6 de Outubro O governo diz que-remette as instrucçães aos deputados; a 22 de Setembro emprega o verbo-vão representar nas côrtes; estes dous verbos indicam presença e ausencia de S. Paulo dos deputados ás Côrtes; ora, a data da presença em 22 de setembro corresponde á da execução dos sentenciados, pouco importa que de facto se embarcassem os deputados em fim de novembro, ou que a sua presença fosse na provincia e não na capital; a procedencia do argumento é referir a data com a declaração de Feijó, que aɛsistiu e viu, e mais ser natural que, antes de partirem, os deputados procurassem na capital conferenciar com o governo sobre as suas instrucções, para cuja minuta foi nomeada em 22 de Agosto uma commissão de membros do mesmo governo.

Em um caso destes, é claro que a prova directa só póde ser fornecida pelos autos do processo, ou certidão authentica, que não possuimos; mas, tanto que se pode deduzir dos expositores historicos e da verdadeira tradição, é incontestavel o sup-. plicio de Chaguinhas e a sua morte em fim de setembro de 1821.

Se o horror que, então, esse facto causou na população de S. Paulo, concorreu mais tarde para a deposição de Martim Francisco do governo provisorio, não foi elle explorado pelo partido de João Carlos e Francisco Ignacio, e então não foi allegado, só o tem sido por historiadores posthumos, procurando justificativas para o deposto; tanto um dos membros da deputação militar de Santos (Müller), como dous membros do governo que compunham a commissão para o exame da sentença condemnatoria (Oliveira Pinto e Francioco Ignacio), bem como o juiz de fóra (Costa Carvalho), membro nomeado para a referida commissão, pertenciam ao partido da bernarda; se havia culpa na condemnação e execução da sentença todos eram egualmente culpados; como, pois, prevaleceram-se do facto para a mesma bernarda ?

Não ha razão para considerar-se José Bonifacio ausente de S. Paulo, só porque não se falou em seu nome, pois que, tambem nenhum outro nome dos membros do governo tem sido citado; só póde attribuir-se a especialisação de Martim Franciosco pelas exigencias da sua parte, que tanto influiram na execução da sentença, e por occasião dos tristes episodios que occorreram, a sua pessoa foi que se salientou; fraqueza ou excesso de austeridade, por tal proceder responde o homem, e não o politico servidor da nossa patria.

IV

Concluimos, registrando uma nota relativa a João Carlos, do qual diz o dr. Piza, no artigo-Chaguinhas: «era profunda

mente dissimulado e hypocrita, não possuindo a coragem precisa e o talento necessario para abrir franca lucta com os Andradas e seus partidarios, nem a virtude da resignação, para acceitar com lealdade e sinceridade a nova ordem de cousas, etc.»

Realmente, nada conhecemos dessa lucta travada entre João Carles e Andradas, no governo provisorio, antes parece-nos que havia entre todos bôa harmonia nas resoluções que tomava o mesmo governo; o estudo historico exige factos e não apreciações arbitrarias e infundadas.

João Carlos era de caracter sincero, mais bondoso do que pusillanime, e nem lhe faltavam intelligencia, actividade e dedicação para prestar muito bons serviços ao nosso paiz, como prova a eleição para senador, em 1826, por Matto Grosso, Ceará e S. Paulo, isto é, por todas as provincias onde tinha servido como governador.

Eis o que se lê na acta da sessão de 4 de Agosto de 1821: << Mandou-se fazer nesta acta honrosa memoria da espontanea cesssão que fez o exmo. sr. João Carlos Augusto de Oeynhausen, presidente deste governo, do ordenado de 4:8003 annuaes que percebia como governador e capitão-general que foi desta provincia, em consideração ás actuaes necessidades urgentes da mesma, e por desejar que em taes circumstancias ninguem o exceda em patriotismo, cooperando quanto puder para a felicidade dos povos da mesma provincia».

Em sessão de 27 de Agosto: «Observou o sr. presidente que os seus desejos e patrioticos sentimentos não haviam sido declarados em toda a sua extensão na acta de 4 de Agosto; porquanto era sua intensão, quando fez aquella declaração, que se entendesse que elle não só renunciava aos ordenados que competiam ao emprego que tinha exercido nesta provincia, mas tambem aos mais pagamentos que por ordens regias se lhe deviam fazer nella. Declarando-se, pois, agora assim em additamento e esclarecimento daquella acta, disse o sr. presidente se lançasse esta sua declaração na acta deste dia, e assim se mandou, sómente para que se faça honrosa memoria do patriotismo de s. exa.; mas todos os membros do governo, unanimemente, agradecendo a offerta, não convieram nella e não querendo, então, s. exa. que se declarasse na acta o seu offerecimento, disto mesmo se mandou fazer menção, sem que se acceite.».

Estas declarações de João Carlos demonstram os seus bons sentimentos ca sincera acceitação da nova ordem de cousas estabelecida.

João Carlos não desejou mais tarde continuar no governo, ou porque estivesse realmente enfermo, ou talvez por achar-se

«

deslocado, mesmo como presidente, em um governo a cujas normas não estava habituado; assim, tendo pedido licença ao principe, na acta de 22 de Outubro de 1821, lê-se: Quanto á portaria pela qual S. A. R., o serenissimo senhor principe regente concedeu licença para o exmo. sr. presidente deste governo, João Carlos Augusto de Oeynhausen, ir á côrte do Rio de Janeiro, consultar os professores sobre suas molestias, o governo mandou que se cumprisse-tendo o seu effeito depois da resposta de S. A. R. á representação que lhe deve fazer o mesmo go

verno».

Naturalmente, esta representação era no sentido de julgarem conveniente e util a sua conservação na provincia e á testa do governo, ao qual dava, pelo menos, respeito e auctoridade moral. Como em outra parte já dissemos, os Andradas não eram politicos, não tinham influencia politica, desviavam-n'os as suas investigações scientificas, e João Carlos a tinha pelo cargo que exercera provincia, governador e capitão-general, já não referindo a estima ou consideração que geralmente lhe tributavam.

na

Tendo chegado a S. Paulo noticia dos decretos de 1 de Outubro, um dos quaes mandava que o principe se retirasse para a Europa, accordou o governo-unanimemente--que se lhe escrevesse rogando a suspensão da execução do decreto emquanto não chegasse á Côrte a deputação que levava a representação do governo. (Acta de 21 de Dezembro).

Em sessão de 22 foi nomeado essa commissão, da qual um dos membros nomeados foi Martim Francisco; na acta da sessão do dia seguinte (23), lê-se:

«Em virtude da nova supplica que fez o exmo. sr. presidente pedindo se verificasse o aviso da licença que S. A. R. se tinha dignado conceder-lhe, o governo depois de madura deliberação e exame, á vista das considerações feitas pelo sr. secretario do Interior e Fazenda (Martim Francisco), resolveu que por ora não tivesse effeito, e que o exmo. sr. presidente continúe a exercer o seu cargo-tão dignamente como o tem exercido-por assim o pedir a honra do mesmo exmo. sr. presidente, a honra e dignidade do governo, e-sobretudo -a mantença do sccego publico, pelo qual são responsaveis o governo in solidum, cada um dos membros de per si, e todas as auctoridades constituidas desta provincia; e aquella licença só teria o seu devido effeito quando as circumstancias politicas o permittissem, como por exemplo, na volta dos deputados do Rio. Resolveu-se outrosim que, se sua exc. quizer a sua demissão, ella só lhe pode ser dada por Sua Magestade, ou pelo Serenissimo Senhor Principe Regente, na fórma da lei.»>

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A Bernarda de Francisco Ignacio

(CHAGUINHAS)

I

Por causa de muita occupação, propria do fim de anno, demorei a analyse da segunda serie de artigos que, com a epigraphe acima, publicou o cidadão E. R. nas calumnas d'O Commercio de São Paulo.

Continúa s. s. a extranhar que em publicações officiaes eu introduza escriptos de particulares, quando não ha nisso novidade alguma e os Annaes da Bibliotheca Nacional, a Rerista do Archivo Publico Mineiro e outras publicações officiaes estão recheadas de escriptos inteiramente destituidos de caracter official. Os governos não assumem a responsabilidade da narrativa dos factos que esses escriptos contêm, nem das opiniões dos seus auctores, mas fazem a despesa com a sua publicação, porque entendem que assim prestam um serviço assignalado, vulgarizando factos importantes que provocam a discussão e trazem mais luz para a historia.

A publicação é que é official e não a narrativa. O governo de Lisboa publicou as Memorias para a historia da Capitania de São Vicente, de Frei Gaspar da Madre de Deus; a Assembléa Provincial de São Paulo, do anno de 1864, ordenou a publicação, á custa do Estado, do Quadro Historico da Provincia de S. Paulo, do brigadeiro Machado de Oliveira, com um lisongeiro parecer do conselheiro Duarte de Azevedo, que não era suspeito de andradismo, e o governo actual está publicando, por conta do Thesouro, a Chronologia Paulista, de J. Jacintho Ribeiro, e a Revista do Instituto Historico de São Paulo.

Todo o documento de valor historico ou scientifico deve ser publicado pelo governo quando o seu auctor, por ser morto, ou por ser pobre, não pode fazer a publicação; é um auxilio que

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