Page images
PDF
EPUB

deslocado, mesmo como presidente, em um governo a cujas normas não estava habituado; assim, tendo pedido licença ao principe, na acta de 22 de Outubro de 1821, lê-se: « Quanto á portaria pela qual S. A. R., o serenissimo senhor principe regente concedeu licença para o exmo. sr. presidente deste governo, João Carlos Augusto de Oeynhausen, ir á côrte do Rio de Janeiro, consultar os professores sobre suas molestias, o governo mandou que se cumprisse-tendo o seu effeito depois da resposta de S. A. R. á representação que lhe deve fazer o mesmo go

verno».

Naturalmente, esta representação era no sentido de julgarem conveniente e util a sua conservação na provincia e á testa do governo, ao qual dava, pelo menos, respeito e auctoridade moral. Como em outra parte já dissemos, os Andradas não eram politicos, não tinham influencia politica, desviavam-n'os as suas investigações scientificas, e João Carlos a tinha pelo cargo que exercera provincia, governador e capitão-general, já não refe indo a estima ou consideração que geralmente lhe tributavam.

na

Tendo chegado a S. Paulo noticia dos decretos de 1 de Outubro, um dos quaes mandava que o principe se retirasse para a Europa, accordou o governo-unanimemente--que se lhe escrevesse rogando a suspensão da execução do decreto emquanto não chegasse à Côrte a deputação que levava a representação do governo. (Acta de 21 de Dezembro).

Em sessão de 22 foi nomeado essa commissão, da qual um dos membros nomeados foi Martim Francisco; na acta da sessão do dia seguinte (23), lê-se:

«Em virtude da nova supplica que fez o exmo. sr. presidente pedindo se verificasse o aviso da licença que S. A. R. se tinha dignado conceder-lhe, o governo depois de madura deliberação e exame, á vista das considerações feitas pelo sr. secretario do Interior e Fazenda (Martim Francisco), resolveu que por ora não tivesse effeito, e que o exmo. sr. presidente continúe a exercer o seu cargo-tão dignamente como o tem exercido-por assim o pedir a honra do mesmo exmo. sr. presidente, a honra e dignidade do governo, e-sobretudo —a mantença do sccego publico, pelo qual são responsaveis o governo in solidum, cada um dos membros de per si, e todas as auctoridades constituidas desta provincia; e aquella licença só teria o seu devido effeito quando as circumstancias politicas o permittissem, como por exemplo, na volta dos deputados do Rio. Resolveu-se outrosim que, se sua exc. quizer a sua demissão, ella só lhe pode ser dada por Sua Magestade, ou pelo Serenissimo Senhor Principe Regente, na fórma da lei.»

Assim, vê-se que João Carlos instava para entrar no goso da licença, seguindo para o Rio, em Outubro e Dezembro de 1821; e nesta ultima data foi o proprio Martim Francisco que, appellando para a sua e a honra do governo, insistiu para que João Carlos ficasse exercendo cargo que tão dignamente exercia, e sobretudo por ser necessario a mantença do socego publico; taes manifestações não fazem adversarios ou inimigos pessoaes.

A que vem, pois, dizer o dr. Piza que João Carlos, para desfazer-se de Martim, seu mais temoroso adversario, influiu para a sua nomeação para a deputação que tinha de ir ao Rio de Janeiro, e que descobrindo os Andradas o movel secreto de João Carlos, foi cedida a José Bonifacio a tarefa?

Quanto á bernarda João Carlos, que não era paulista, nem tinha interesses em S. Paulo, que só tinha ficado no governo a instancias dos Andradas, que proveito tiraria em promover a desposição de Martim, ou tramar a bernarda ?

A historia deve ser estudada com o animo despevenido, para que a narração dos factos e suas justas apreciações sejam criteriosas; as paixões são sempre prejudiciaes á verdade.

E. R.

A Bernarda de Francisco Ignacio

(CHAGUINHAS)
I

Por causa de muita occupação, propria do fim de anno, demorei a analyse da segunda serie de artigos que, com a epigraphe acima, publicou o cidadão E. R. nas calumnas d'O Commercio de São Paulo.

Continúa s. s. a extranhar que em publicações officiaes eu introduza escriptos de particulares, quando não ha nisso novidade alguma e os Annaes da Bibliotheca Nacional, a Revista do Archivo Publico Mineiro e outras publicações officiaes estão recheadas de escriptos inteiramente destituidos de caracter official. Os governos não assumem a responsabilidade da narrativa dos factos que esses escriptos contêm, nem das opiniões dos seus auctores, mas fazem a despesa com a sua publicação, porque entendem que assim prestam um serviço assignalado, vulgarizando factos importantes que provocam a discussão e trazem mais luz para a historia.

A publicação é que é official e não a narrativa. O governo de Lisboa publicou as Memorias para a historia da Capitania de São Vicente, de Frei Gaspar da Madre de Deus; a Assembléa Provincial de São Paulo, do anno de 1864, ordenou a publicação, á custa do Estado, do Quadro Historico da Provincia de S. Paulo, do brigadeiro Machado de Oliveira, com um lisongeiro parecer do conselheiro Duarte de Azevedo, que não era suspeito de andradismo, e o governo actual está publicando, por conta do Thesouro, a Chronologia Paulista, de J. Jacintho Ribeiro, e a Revista do Instituto Historico de São Paulo.

Todo o documento de valor historico ou scientifico deve ser publicado pelo governo quando o seu auctor, por ser morto, ou por ser pobre, não póde fazer a publicação; é um auxilio que

concede ás lettras e ás sciencias e um serviço que presta ao publico. A prova da conveniencia dessas publicações está nos dande o proprio cidadão E. R., que encontrou nellas opportunidade para trazer a luz sobre muitos incidentes historicos que o publico em geral não conhecia, com o que está prestando grande serviço a nós todos.

Entende o cidadão E. R. que a propria Revista do Instituto Historico deveria ser unicamente um «repositorio de documentos ou de memorias documentadas de factos que interessam á nossa historia», sem que nas suas paginas encontrem guarida os escriptos não documentados e as opiniões dos seus socios, hauridas nos estudos que tenham feito. E' tão inadmissivel semelhante theoria, que não é acceita por nenhum dos institutos historicos do meu conhecimento; veja-se a Revista do Instituto Historico Brasileiro, uma das melhores publicações deste genero, e nella encontrar-se-ão, não sómente muitos escriptos dos seus socios, mas até discussões sobre pontos historicos controvertidos, em que cada contendor sustenta as suas opiniões e as suas theorias, segundo o seu modo de apreciar as fontes de informações a que recorreu.

Estando de pleno desaccordo com o cidadão E. R. sobre os limites das publicações officiaes e sobre a natureza da missão dos institutos historicos, não posso acceitar a sua opinião, que está isolada, e vou entrar em materia de caracter historico.

Extranhou ainda s. s. que eu fizesse algumas objecções ao testemunho de Feijó em relação ao supplicio de Chiaguinhas, quando elle «possuia um caracter austero e inconcussa respeitabilidade, occupava o elevado cargo de ministro da Justiça, falava perante a Camara dos Deputados e na presença de Martim Francisco, que não negou a accusação que se lhe fazia, e finalmente, que a narrativa de Feijó está de accôrdo com os factos conhecidos, com os actos officiaes e com a tradição». Mas são exactamente estas affirmações que eu contestei, baseado em alguns testemunhos do tempo, comparando as datas e os factos e analysando as suas circumstancias.

Parece-me que os requisitos acima não são por si só elementos solidos para a formação de um juizo seguro e que não podem satisfazer a nenhum historiador, mesmo mediocremente escrupuloso. Tanto estes requisitos valem pouco, que Armitage, Pereira da Silva, Homem de Mello, Machado de Oliveira, Abreu e Lima, Mello Moraes e outros historiadores nunca se serviram do testemunho de Feijó para os seus juizos sobre o caracter, sobre a capacidade e serviços dos Andradas.

Em primeiro logar a austeridade do caracter, a respeitabilidade e a moralidade pessoal de Feijó não eram superiores ás

de José Bonifacio e Martim Francisco, que ainda lhe eram muito superiores em talento e instrucção; em segundo logar, a posição de um ministro que se defende, ou accusa os seus adversarios, na Camara dos Deputados, não dá aos factos por elle articulados maior fundo de verdade do que elles em si, intrinsecamente, contêm; e, se assim não fosse, todos os ministros teriam sempre a verdade do seu lado, nas discussões com os seus adversarios na Camara, isto é, os governos seriam impeccaveis, infalliveis e as opposições nunca teriam razão; em terceiro logar, sào exactamente as assembléas politicas as que estão mais sujeitas ás paixões, ás exaggerações e aos desvios da verdade, porque os seus membros para ellas levam opiniões e idéas preconcebidas e raramente fazem justiça aos adversarios. Os Annaes do nosso Parlamento estão cheios das mais violentas e reciprocas accusações, que, felizmente para o Brasil, não têm fundamento algum -como os contrabandos de africanos, as popelinas, os loyos e muitas outras, que seria longo enumerar.

O ultimo requisito citado merece menção especial. Disse o eidadão E. R. que «o testemunho de Feijó está de accôrdo com os factos conhecidos, com os actos officiaes e com a tradição.» Qual é o historiador que acceitou, perfilhou e vulgarizou as affirmações de Feijó contra Martim Francisco, relativas ao supplicio de Chaguinhas?

Nenhum, absolutamente nenhum.

Pois se o facto foi tão horroroso, tão revoltante, como nol-o pinta Feijó dez annos depois delle occorrido, como se explica o facto do coronel Francisco Ignacio e do extrangeiro Ploesquellec, que eram inimigos figadaes de Martim e delle disseram tantas coisas inverosimeis, nunca se referirem a essas circumstancias?

Ora, se ninguem jamais fez allusão áquelle supplicio com as horrorosas minucias descriptas por Feijó, a não ser o proprio Feijó, que diz tel-o visto com os seus proprios olhos, quando no campo da forca havia muita gente, attrahida como elle pela curiosidade, entre a qual deviam estar muitos conhecidos, parentes e amigos do coronel Francisco Ignacio e do extrangeiro Ploesquellec, como se explica este silencio geral de tantas testemunhas oculares, de todos os historiadores e dos proprios Francisco Ignacio e Ploesquellec?

Um tal Gomide se refere a enforcados á laço de couro, quando enforcado com o laço de couro foi um só, Chaguinhas, e o seu companheiro Cotindiba já estava morto; ninguem menciona o facto do carrasco cortar a corda de couro e no chão dar cabo da vida do paciente. Só Feijó teve olhos para vêr isso e

« PreviousContinue »