fosse certo o facto de ter elle pedido a sua demissão, como lemos num ligeiro apontamento que tinhamos em mão; não tem, porém, isto importancia; confessamos acceitar a licção dos exemplos expostos pelo dr. Piza, considerando apenas, quanto a execução do martyr da liberdade portugueza, a cuja memoria foi, em 1853, levantado um monumento na explanada da torre de S. Julião, logar do seu supplicio, Gomes Freire de Andrade, que o seu julgamento não foi em conselho de guerra, mas em alçada de desembargadores, tribunal civil, e, portanto, condemnado, tinha de morrer pela forca. Sobre o republicanismo de Feijó e sua orthodoxia, em 1823, em representação ao imperador dizia elle: «tanto amo o governo monarchico representativo, como abomino a democracia pura»; depois de 7 de Abril, como ministro da Justiça e regente, foram os seus principios monarchicos que o elevaram a essas altas posições. Desculpe-nos o dr. Piza uma franqueza: nos são de maior apreço as dissertações historicas que demonstram o minucios0 e aturado estudo das nossas cousas e dos nossos homens, sobre os quaes tem uma opinão a seu sabor, mas ellas o têm desviado da promessa feita logo em começo da sua critica-dizer algumas palavras sobre o acontecimento de 23 de Maio, foi este o ponto historico de que tratamos. As cartas do coronel Francisco Ignacio que, com tanto azedume, têm sido esmerilhadas, constituem correspondencia particular; nesta, é promettida a expansão dos sentimentos individuaes; os conceitos nellas manifestados, si encontram apoio em factos conhecidos, ou em actos officiaes, têm o cunho da verdade; si a elles se contrapõem, não constituem depoimento historico; á parte minuciosidades da vida intima social, por assim dizer, o que só contemporaneos poderiam attestar ou contestar, os factos principaes referidos na série dessas cartas acham-se comprovados por documentos historicos por nós citados; como, pois, por minuciosidades de uma posthuma apreciação exagerada, estando modificadas as idéas do tempo e sem o conhecimento individual das pessoas, procurou-se illaquear o que ellas têm de verdadeiro e aproveitavel, para esclarecimento do acontecimento de 23 de Maio e suas consequencias? * ** Não nos damos á polemica, mas ao estudo historico; pouco pois, poderemos dizer ao muito que escreveu o dr. Piza nestes artigos. O reparo de ter Manoel Jacintho Nogueira da Gama usado das expressões-governo constitucional-em 1823, quando só em 1824 tivemos uma constituição, não é justo; o ministro as escreveu muito correctamente na collecção das nossas leis encontramo-las a cada passo desde o decreto de 8 de Junho de 1821, no qual se lê: «Tendo eu adoptado e jurado as bases da constituição portugueza para terem observancia neste reino do Brasil, servindo provisoriamente de constituição»; mais convincente ao dr. Piza será a leitura da portaria de 11 de Novembro de 1822, na qual José Bonifacio se refere á devassa judicial contra os que ousavam, temerarios, com o maior machiavelismo calumniar a indubitavel constitucionalidade do nosso augusto imperador e dos seus mais fieis ministros, etc. Sobre a dissolução da Constituinte lembraremos que ella foi propriamente acto do imperador; os ministros do imperio, José Joaquim Carneiro de Campos, marquez de Caravellas, da fazenda, Manoel Jacintho Nogueira da Gama, marquez de Baependy, e da guerra, João Vieira de Carvalho, marquez de Lages, por não concordarem com esse golpe, sahiram do ministerio, sendo a 10 de Novembro substituidos por outros que a realisaram. Quanto a negativa das certidões por parte do governo provisorio (que é o mesmo eleito no tempo do ministerio Andrada, e de cujos membros tratara Francisco Ignacio em carta de 30 de Setembro de 1823) e da junta da fazenda, é uma questão de facto, provado por documentos officiaes; e os Andradas se achavam então deportados, os seus amigos, que continuavam no governo da provincia, insistiam na má vontade contra os bernardistas, vendo-se os novos ministros obrigados a chama-los á ordem e ao cumprimento dos seus deveres; este governo subsistiu até Abril de 1824, data da posse do primeiro presidente da provincia, Lucas Antonio Monteiro de Barros, visconde de Congonhas do Campo. Não sabemos por que considerar inferiores no amor ao Brasil os extrangeiros que abraçaram a nossa causa, sobretudo os portuguezes, dos quaes eram os filhos ou descendentes; persistir-se-á ainda nas odiosidades de outros tempos, de zelos e prevenções? E porque não poderão ser os militares amigos da liberdade civil, si a elles se recorre para revoluções e estabelecimento de instituições politicas. Relativamente á carta de Paula Souza, devemos uma declaração por uma inadvertencia, ou irreflexão, para nós mesmo inexplicavel, escrevemos, em nota, referir-se ella ao assumpto das cartas de Francisco Iguacio, quando sobre diverso foi que escreyeu Paula Souza, e é o seguinte: Sabe-se o descontentamento produzido pela dissolução da Constituinte em São Paulo, uniram-se pelas ideas e sentimentos Paula Souza, Feijó, Vergueiro, Costa Carvalho, Arouche e outros; a maior effervescencia era notada em Ytú e Sorocaba ; fosse ou não exacto, constou ao imperador que havia planos politicos e subversivos; daqui a ordem deste ao intendente da policia para uma devassa; transcrevemos esta ordem, e releve o dr. Piza os termos da carta, que não foi escripta para ser publicada, e o fazemos só para esclarecimento; não estamos na época anormal dos primeiros tempos da independencia e de organização do paiz. «Convindo devassar-se em S. Paulo sobre a correspondencia dos tamoyos e tramoia que elles tinham armado para o dia 12 de Novembro (1823), para installarem uma Republica; é necessario que v. m. me mande uma relação daquelles que será necessario removerem-se da provincia, para melhor se poder devassar, sendo com especialidade algumas cabeças de vento que ha em Ytú e Sorocaba. Boa vista. 18 1/2 24». Não houve remoção de pessoa alguma; foi aberta a devassa, e o resultado é o que communica Paula Souza, nessa carta, referindo-se aos seus cunhados, Antonio Paes de Barros, barão de Piracicaba e irmão; Francisco Ignacio era sobrinho e nada tinha com o facto; não se trata aqui de retrogrados ou bernardistas, os quaes por esse tempo já não existiam pelo congraçamento entre os antigos adversarios, como prova estarem Costa Carvalho e Arouche de mãos dadas. Si Paula Souza escreve que desejava retirar-se da provincia «onde ninguem póde julgar-se seguros presentemente», accrescenta logo «emquanto labora a intriga, muito mais tendo inimigos»; mas isto é natural e proprio das épocas de effervescencia de sentimentos politicos ou partidarios, como estamos testemunhando ha doze annos, e em 1901 a educação politica não devia ser inferior cu egual á de 1824. V A assignatura de Francisco Ignacio nas 117 actas do governo provisorio, si mostra a sua solidariedade com os Andradas nas actas do governo, mesmo a que dava execução á portaria de 10 de Maio chamando João Carlos ao Rio (acta de 23 de Maio), isto prova que não havia lucta no mesmo governo, antes do accordo em todos os actos nem embate de idéas liberaes e retrogradas: é o que temos affirmado contra o que escreveu Manoel Eufrazio-Apont. hist.-verb. Bernarda: «o governo para Νο logo mostrou os vicios de sua origem e hecterogeneidade de seus elementos... daqui a desunião e lucta no seio do proprio governo, que, em breve, se manifestou dividido em duas fracções inconciliaveis, etc.», e contra o que escreveu o dr. Piza, Doc. Interes., pag. 1.a : << A intimidade fraternal dos Andradas e a solidariedade que elles ostentavam em seus actos tornavam a posição de Martim Francisco no governo provisorio perigosa para si e para todos. A opposição affrontava-o quando seus actos administrativos tendiam para a energia; era impossivel comprimir a vontade nua de um grande homem tantas forças reunidas. seio do governo provisorio essa opposição officialisou-se nas pessoas do presidente João Carlos Oeynhausen e do vogal pelo Commercio, o coronel Francisco Ignacio de Souza Queiroz»; e antes, nenhum membro do governo provisorio reconhecia ou obedecia a necessidade de modificar suas opiniões, ou mesmo de sacrificar sens caprichos para a segurança commum e felicidade do povo, e entre elles havia, comtudo, caracteres de probidade romana». Termina o dr. Piza dizendo que José Bonifacio é até accusado de não ter tido a primazia da lembrança de representar a D. Pedro que não abandonasse o Brasil. (1) Ninguem accusa por isso a José Bonifacio; o que não se acceita é desvirtuar-se um facto provado, com o fim de se lhe dar uma gloria que não tem, e da qual aliás não precisa para ser tido como um dos patriarchas da nossa independencia. E' natural que não fosse José Bonifacio o primeiro a COnhecer os decretos das côrtes; do Rio de Janeiro é que veiu a noticia para S. Paulo, alguns dias mais tarde; na representação do governo provisorio ao principe, em 24 de Dezembro, lê-se que foi pela Gazeta extraordinaria, de 11 desse mez, que se conheceram em S. Paulo os decretos de 29 de Setembro, um dos quaes mandava o principe regressar para Portugal. Logo que chegou a noticia dos taes decretos ao Rio de Janeiro, por iniciativa de José Marianno de Azevedo Coutinho e do advogado José Joaquim da Rocha, generalizou-se a idéa de representação ao principe para que não obedesse ás côrtes, isto antes do dia 15; a 20 e 22, sahiram emissarios do Rio para Minas e S. Paulo; a 27 de Dezembro e a 2 de Janeiro, já as camaras de Barbacena e Marianna tinham remettido as suas representações adherindo. Na mesma data da representação ao principe (2) officiou o governo de S. Paulo ao de Minas; este, porém, antes de receber essa communicação e convite, já tinha mandado sahır o (1) Este erro historico nota-se tambem em Manuel Eufrazio-Apont. Hist. (2) Esta data é da carta de lei que manda executar os decretos das cortez de 29 de Setembro. seu vice-presidente, José Teixeira da Fonseca Vasconcellos, visconde de Caethé, para conhecer quaes as medidas de que se devia lançar mão, segundo as occorrencias que no Rio se apre sentassem. O visconde de Cayrú, testemunha presencial, na Historia do Brasil, diz que a 29 de Dezembro, no escriptorio do advogado José Joaquim da Rocha, estava aberta ás assignaturas uma representação ao principe, para ficar no Brazil; nella lia-se: «O povo do Rio de Janeiro julga que o navio que reconduzir S. A. R. apparecerá sobre o Tejo com o pavilhão da independencia do Brasil»; diz o mesmo historiador: «emquanto se tratava de apresentar estes requerimentos, o povo de S. Paulo coincidiu em egual sentimento. A dita representação, com mais de 8 mil assignaturas, foi entregue a 2 de Janeiro ao presidente da Camara, José Clemente Pereira, o qual logo a reuniu e pelas suas resoluções pediu elle uma audiencia ao principe, e ficou marcada para o dia 9, que é a data do-fico; a representação de S. Paulo foi apresentada posteriormente. Diz Pereira da Silva que a Camara de S. Paulo, convocada pelo ouvidor Costa Carvalho, nomeou a commissão que devia seguir para o Rio de Janeiro, José Bonifacio, coronel Gama Lobo e marechal José Arouche; na acta do governo provisorio de 21 de Dezembro, lê-se: 1.° Com a chegada da Gazeta extraordinaria do Rio de Janeiro, e nella o decreto de 1 de Outubro deste anno... o governo accordou unanimemente que se escreva a S. A. R. e se lhe rogue suspender a execução de taes decretos, emquanto não forem chegados á côrte do Rio de Janeiro seus deputados que, sobre estes dous objectos, lhe vão representar por parte deste governo. E sendo convocada a Camara desta cidade e ouvida sobre o mesmo objecto, respondeu que, em sessão de 19, ella já tinha tomado o mesmo accordo que agora toma o governo; e que ella nomeava para levarem suas representações a S. A. R. os dois senhores deputados nomeados pelo governo, além de um terceiro que ajunta a estes. (A assignatura de José Bonifacio nesta acta ractifica ter a Camara, a 19, tomado a mesma resolução que o governo a 21). 2.° Accordou-se mais que se officie ao governo de Minas Geraes, para que de mãos dadas com este governo represente a S. A. R. sobre esta materia...» No dia seguinte (22) foram nomeados os membros da deputação, Martim Francisco e o coronel Gama Lobo. A 31, foi lida a fala que se devia fazer a S. A. R. |