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REVISTA TRIMENSAL

DE

HISTORIA E GEOGRAPHIA

OU

JORNAL DO INSTITUTO HISTORICO GEOGRAPHICO BRAZILEIRO

No 17. ABRIL DE 1843

MEMORIA

DA

TOMADIA DOS SETE POVOS DE MISSÕES DA AMERICA DE HESPANHA

Que hoje se acham annexos ao Dominio do Principe Regente de
Portugal, Nosso Senhor :

Escripta em Lisboa, no anno de 1806, por Gabriel Ribeiro de Almeida

Governava a Capitania do Rio Grande de S. Pedro o Tenente General Sebastião Xavier da Veiga Cabral, quando no anno de 1801 se declarou a guerra entre Portugal e Hespanha. Logo que lhe chegou esta noticia por Pernambuco, mandou pôr editaes, para que os povos conhecessem a Nação Hespanhola por inimiga. Não ha palavras com que se expresse o alvoroço de todos os habitantes d'aquella Capitania, na esperança de fazerem com as armas na mão uma divisão de limites mais vantajosa. Recebida emfim a certeza por officio do Vice-Rei do Rio de Janeiro, feita a declaração da guerra com a formalidade do costume, mandou o Governador apromptar as tropas, tanto pagas como milicianas; mas reflectindo que o meio mais essencial de conservar a disciplina nos corpos militares, e individualmente a satisfação de cada soldado pelo bem do Real serviço, é tel-os bem pagos de seus soldos e vestidos de seus uniformes, e que desgraçadamente aquella tropa

estava reduzida á ultima miseria, não tendo por si mais que a sua coragem, pois que a Thesouraria do Rio de Janeiro, por quem naquelle tempo eram pagos, lhe devia distinctamente doze para quinze annos de soldo, e outro tanto ou mais de fardamento, por unico recurso contou com a disposição dos povos para vestir a tropa, pois os via tão desejosos de guerra; deu as ordens aos chefes dos regimentos, tanto ao Coronel Manoel Marques de Souza como ao Tenente Coronel Patricio José Corrêa da Camara, que convocassem as pessoas principaes do povo e lhes expozessem a necessidade que havia de soccorrer a tropa para marchar naquelle rigoroso inverno á campanha. O mesmo espirito de patriotismo, que havia feito que os povos gostassem entrar voluntariamente na guerra, fez com que em poucos dias se vestisse a tropa; porque os que não podiam dar dinheiro davam pannos, bois, cavallos, carros e escravos, offerecendo aos trabalhos tudo em beneficio da tropa e do Estado, e isto continuaram a praticar em toda a guerra.

Dividido o exercito em dois corpos, o fez marchar para as fronteiras respectivas, uma do Rio Grande, e outra do Rio Pardo; a do Rio Grande, commandada pelo Coronel Manoel Marques de Souza, se compunha de oitocentas praças, a maior parte milicianos; e a do Rio Pardo, commandada pelo Tenente Coronel Patricio José Corrêa da Camara, se compunha de setecentas praças, tambem a maior parte milicianos.

Nesta mesma occasião chegavam os mais poderosos d'aquella Capitania a pedir licença ao Governador para levantar companhias de gente de cavallo, e armal-os á sua custa para sahirem contra o inimigo; e os mais pobres se juntavam em ranchos, e faziam o mesmo; e como todos levavam facil concessão, concorreu para o exercito gente innumeravel e resoluta, com faculdade de passar adiante dos exercitos, e fazer as hostilidades possiveis ao inimigo. D'esta sorte se apresentou naquella fronteira um exercito formidavel, não tanto pelo numero dos individuos, como pela disposição dos animos, e isto sem despeza do Estado, e a maior parte d'estas tropas milicianas, esta a mais atrevida, robusta e activa nas suas campanhas, em que os povos confiavam o seu triumpho.

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Os Hespanhóes, vendo os movimentos dos dois exercitos Portuguezes, que marchavam para as raias, abandonaram as guardas, de maneira que já as nossas tropas não acharam nas ditas guardas senão as barracas, que logo demoliram, e começando pela Lagôa Merim para o Norte, eram as guardas as seguintes: 1., a da Lagôa; 2.a, Quilombo 3., S. José; 4.3, Santa Roza; 5.3, Santa Tecla; 6., Taquarembó; 7.3, Batovi; 8.3, S. Sebastião; as duas ultimas para a parte de Missões, e as mais da parte de Montevidéo, confrontando com o Rio Pardo e Rio Grande; e da Lagôa Merim para o Sul, no estreito e terra que corre entre ella e o Oceano, haviam duas guardas, que foram avançadas pelo Capitão Simão Soares da Silva, e o Tenente José Antunes, que do Rio Grande sahiram para atacar aquellas guardas, quando marchava o exercito para a fronteira; pois não deixou de lembrar ao Governador que podia entrar o inimigo por aquelle estreito entre a Lagoa Merim e o Oceano, e vir sorprender a Villa de S. Pedro, na ausencia d'aquellas tropas, cujos Officiaes destruiram as ditas guardas, e se retiraram com o despojo que nellas acharam.

Retirando-se os Hespanhóes das guardas mencionadas, se recolheram e reuniram em um forte de campanha denominado Serro Largo, e alli se fortificaram.

Entre os voluntarios paizanos que se offereceram para ir contra o inimigo, foi um d'elles Manoel dos Santos Pedrozo, homem fazendeiro e soldado miliciano; e obtida a licença, marchou com 40 homens, de que se fez chefe, atacou e pôz em fugida a guarda de S. Martinho, e na posse d'esta, passou a saquear algumas fazendas; nestas immediações se retirou com mais de 100 animaes vaccum e cavallar, deixando em abandono aquelle posto; e o Capitão Francisco Barreto, aproveitando-se da occasião, não se descuidou de pôr immediatamente guarda nossa, pois é principal entrada para Missões. José Borges do Canto, e eu, com 40 homens, fizemos a grande conquista dos sete Povos de Missões, que vou a referir.

O dito Canto tinha sido soldado de Dragões, e antes de ser disciplinado no seu regimento havia desertado, ha bastantes annos, e vivia entre os Portuguezes e Hespanhóes

naquella vasta campanha povoada de uma nação de gentios Charruas e Minuanos, couto e refugio dos criminosos de ambas as Nações. O dito José do Canto ora entrava na Capitania do Rio Grande de S. Pedro, d'onde era natural, ora nas terras dos Hespanhóes, a traficar contrabandos em uma e outra parte passeiava occulto, pois se tinha feito celebre com a sua vida extravagante e odiosa a ambas as Nações; e sabendo que havia perdão geral aos desertores, se apresentou ao Tenente Coronel Patricio José Corrêa da Camara, e pediu licença para sahir a fazer alguma hostilidade ao inimigo; e obtida que foi esta, sahiu por entre as fazendas, convocando alguns seus conhecidos, e incorporou comsigo 14 homens.

Andava nessa mesma diligencia um Tenente da Capitania de S. Paulo, chamado Antonio de Almeida Lara, que por seu negocio vivia 'naquella Capitania; este tinha comsigo 12 homens, e se incorporou com o dito Canto, e sahindo ambos para a fronteira, chegaram á guarda denominada S. Martinho, onde eu estava destacado debaixo das ordens do Alferes André Ferreira, que alli commandava sujeito ao Capitão Francisco Barreto, que comman dava aquelle districto, e se achava distante 2 leguas, e respondia por elle ao Tenente Coronel Camara.

Na dita guarda me offereci a acompanhal-os, levando em minha companhia 6 camaradas da mesma, e no primeiro dia de marcha encontrámos 8 homens, commandados por Antonio dos Santos, que andavam explorando a campanha, e unindo-se tambem a nós, com estes completaram 40 homens de armas, com os quaes se fez a conquista, que vou descrevendo.

Entrámos nesta campanha no mez de Agosto na força e rigor do inverno, que foi causa da nossa felicidade em todos os successos. No primeiro dia fizemos 10 leguas de caminho, e pela noite ser tenebrosa, tomámos a guarda denominada S. Pedro, sem sermos sentidos, e sem dar tempo a. pegar em armas; achámos alli 30 Indios, commandados por um Hespanhol, que pozemos em prisão, e os Indios em liberdade, e os capacitámos que a guerra era com os Hespanhóes, e não com elles. Com isto se pozeram em socego, e nos fizeram bons officios; não lhes consentimos

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