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desdobramento dos factos, que teriam tomado outro curso muito diverso se José Bonifacio, que estava na cidade, não tivesse sido opportunamente chamado pelos proprios revolucionarios para tomar a sua direcção e assumir a sua responsabilidade.

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Nos Apontamenros Historicos, pags. 272-273, vem narrativa destes factos, a qual diz Azevedo Marques que foi escripta por uma testemunha ocular insuspeita; por ella se vê o papel decisivo que José Bonifacio representou na occasião, a direcção que deu ao movimento, o esquecimento dos odios que recommendou e a qualidade do governo que fez acclamar. E João Carlos em tudo primou pela ausencia, sendo elle o gover nador da capitania e directamente responsavel pela sua ordem e tranquillidade!

E isto não era pusillanimidade!

quem

Ainda mais quando alguns cidadãos presentes á acelamação declararam que não queriam que fizessem parte do novo governo aquelles que até agora têm sido nossos oppressores» e tentaram personalizar, foi ainda José Bonifacio atalhou este começo de discordia, dizendo: Senhores, este deve ser o dia da reconciliação geral entre todos. Desappareçam odios, inimizades e paixões. A patria seja a nossa unica mira. Completemos a obra da nossa regeneração, etc.

João Carlos só deixou o seu musulmanismo quando viu que estava passado o perigo e que vinham buscal-o para ir á Camara Municipal prestar novo juramento como membro do governo acclamado pelos revolucionarios, cuja legalidade elle não tinha o direito de reconhecer officialmente sem ordem expressa do Principe Regente. Não teve a coragem precisa para combater a revolução, nem para pôr-se à sua frente, nem para recusar ao novo governo o reconhecimento official antes que tivesse ordem superior para isso; foi joguete dos acontecimentos, que não combateu, nem auxiliou. E não era pusillanime!

Faz o cidadão E. R. grande cabedal da renuncia que João Carlos se propuzera a fazer, em beneficio dos cofres publicos, da quantia de 4:8002000 que recebia como presidente do Governo Provisorio, julgando que isto prova os seus bons sentimentos e a sincera acceitação da sua parte da nova ordem de cousas.

Analysemos o merito destas affirmações:

Essa quantia representa o ordenado que tinham os capitãesgeneraes de S. Paulo, que variou entre 8.000 e 12.000 cruzados por anno, desde 1710. Deposto João Carlos, a 23 de Junho de 1821, do cargo de capitão-general e eleito, com mais quatorze companheiros, membro de um governo revolucionario, não tinha elle mais direito algum a esses ordenados, assim como não tinham sub

sidio os seus collegos do Governo Provisorio; portanto, elle não fez mais do que uma restituição daquillo que tinha illegalmente recebido. Era uma questão de mera honestidade pecuniaria: quem restitue aquillo que não é legalmente seu cumpre simplesmente um dever e isso não prova de modo algum que elle tivesse com sinceridade acceitado a nova ordem de cousas politicas estabelecida na provincia.

O seu patriotismo era mais que duvidoso, porque o Brasil não era a sua patria; aqui esteve em boas commissões e em bons empregos, emquanto lhe conveiu, e nos deixou para sempre, afim de acompanhar Pedro I depois do 7 de Abril. Tinha mais amor a D. Pedro e a Portugal do que ao Brasil e aos brasileiros.

16-1-902.

A. DE TOLEDO PIZA.

A bernarda de Francisco Ignaclo

I

A' critica do dr. Antonio de Toledo Piza sobre o nosso escripto bem quizeramos fazer só as considerações que nos parecesse interessarem propriamente ao acontecimento de 23 de Maio, tendo sido esse o assumpto do nosso estudo; pedimos, porém, permissão para algumas declarações e rectificações.

Nunca negámos que os estudos historico-politicos publicados no Correio Paulistano, em 1879, ou em 1880, e reunidos em folheto, eram de nossa responsabilidade, aliás era isto sabido; o facto de subscrevel-o, com as iniciaes E. R., das quaes costumavamos e continuamos a usar, tem explicação simples: a nossa assignatura não dava auctoridade para a apreciação desses modestos estudos, e sem ella ficavam só os factos para serem acceitos ou contestados; havia ainda uma razão especial, que o dr. Piza relevou, o nome proprio acoimaria os artigos de suspeitos, posto que procurando cingirnos a factos e documentos incontestaveis, nenhuma suspeição podia advir pelo parentesco com o coronel Francisco Ignacio, e quando justamente por esse parentesco é que estavamos habilitados a restabelecer a verdade pelos documentos que publicariamos; e, se assim não é, todas as memorias escriptas por homens politicos, ou publicadas pelos parentes e successores, trazem o cunho da suspeição, quando em verdade ellas explicam muitas cousas; as cartas de Francisco Ignacio constituem memorias escriptas, por assim dizer, dia a dia, á proporção que se davam os acontecimentos, e o seu modo de aprecial-os; elle se referia sempre a factos publicos e a nomes conhecidos; para ser contestado não basta lhe ser lançada a suspeição geral, só por se ter tornado desaffeiçoado dos Andradas, depois do 23 de Maio; é preciso que sejam negados os factos, e que as suas proposições não estejam corroboradas por outras identicas de contemporaneos auctorisados, ou por actos officiaes que accordam com ellas.

As cartas publicadas precedem a seguinte declaração:

« Damos á publicidade uma collecção de cartas escriptas pelo coronel Francisco Ignacio, pelas quaes ficará bem conhecido o movimento do espirito publico na provincia de São Paulo, nos primeiros annos da nossa independencia, especialmente em relação á familia Andrada.»

Como se vê, ellas serviriam para esclarecimento. Nesses estudos não tratavamos, nem agora tratamos de accusar os Andradas; mas expôr o que havia a seu respeito. Se para a defesa do coronel Francisco Ignacio referimo-nos a opiniões contrarias aos Andradas, e ao seu liberalismo, muito contestado pelos contemporaneos e pelo estudo dos seus actos, foi por serem intimamente ligadas a ella; essas opiniões e conceitos são de auctoridades contemporaneas que, melhor do que nós, conheciam as cousas e as pessoas do tempo, e podiam, então, com mais acerto e verdade, ser contestadas; em historia não podemos tudo negar só por amor a uma opinião forma da e preestabelecida.

Quando publicámos esses estudos, ha vinte annos, nesta capi tal, eram vivos os respeitaveis conselheiros Martim Francisco e José Bonifacio, filhos do velho José Bonifacio, e ainda existiam em São Paulo muitas e conhecidas testemunhas contemporaneas do facto; nenhuma contestação appareceu, e então muito faceis seriam as averiguações; acreditavamos, então, e ainda hoje temos convicção, que, á parte a virulencia justificavel de alguns conceitos os factos eram e são incontestaveis; as cartas, pois, são fidedignas.

0

Sobre a inserção do artigo do dr. Paulo do Valle, que, aliás, como declara o dr. Piza, não é delle, pertencendo-lhe apenas um rascunho, feito ás ligeiras, cheio de emendas, entrelinhas e borrões (1) não foi o nosso reparo ser publicado um artigo historico em uma revista historica, mas vir colleccionado nas columnas do Archivo do Estado de São Paulo, collecção de documentos officiaes, tirados do archivo do Estado, uma exposição parcial e apaixonada sobre um facto historico, só para robustecer opiniões erroneas ou contrarias á realidade, quando taes documentos officiaes, publicados á custa do thesouro, são offerecidos para conhecimento e estudo de todos, sem insinuações ou prevenções.

*

(1) Em aviso ao leitor, escreveu o dr Piza; «Entre os manuscriptos deixados pelo fallecido dr. Paulo do Valle, lente de Rhetorica na Academia de S. Paulo, foi encontrado um resumo historico dos tumultos havidos nesta capital em 23 de Maio de 1822, a que o povo deu o nome de-A bernarda de Francisco Ignacio. Como historia dos acontecimentos desse dia, o escripto é muito incompleto, não expõe as causas que deram origem á bernarda, nem o estado do espirito publico na occasião, não dá conta de todos os personagens que nelle figuraram, nem diz o que foi feito dos conspiradores.

Public. off. de Dcc. interes. para a hist. e costum. de S. Paulo.

Analysando a correspondencia de Francisco Ignacio, parecenos não ter sido bem interpretada pelo dr. Piza um trecho da carta de 1 de Julho, por muito ligeira leitura e antecipação do espirito.

Eis o que ella diz: «Appareceu, entretanto, uma pequena noticia de que o batalhão de caçadores tentava depôr do governo esses dous intrusos, immediatamente sou chamado para conter esta desordem que ia apparecer; então era eu um dos mais honrados e benemeritos do governo, porque elles julgaram depender de mim a sua conservação no governo, para o que tanto haviam trabalhado. <<Fiz quanto esteve da minha parte, empenhei meus amigos a favor desses ingratos, e consegui, do que bem me arrependo, que tudo se desvanecesse; estes dous homens, esquecidos de que me devem a sua presente elevação, pois que os conservei no governo contra a vontade dos habitantes desta cidade, acabam de pagar-me esse serviço com a portaria de 21 de Maio, que remetto por copia, na qual se ordena que me recolha a essa côrte, sendo talvez o meu crime a condescendencia que tive com elles, ou o não terem podido obter a nomeação de Joaquim Mariano Galvão para governador das armas, e pagar deste modo o serviço que acabava de prestar a Martim, fiando-lhe vinte escravos a 120$000 cada um e por 6

annos. »

E' claro que Francisco Ignacio aqui não diz que a primitiva elevação dos Andradas lhe era devida, mas que considerava os esforços que fizera para a sua conservação no governo como uma nova ou a sua presente elevação.

Elle não escreveu egualmente que Martim quizera pagar uma fiança de 2:4002000 ao brigadeiro Galvão, com a sua nomeação para governador das armas da provincia, mas sim que o seu crime para ser deportado foi a sua condescendencia com os Andradas, ou por não ter podido Martim nomear o brigadeiro Galvão para governador das armas, ou ainda que com a tal portaria, de 21 de Maio, pagaram o serviço que elle, Francisco Ignacio, acabava de prestar a Martim, vendendo-lhe, fiados por 6 annos, vinte escravos a 120 000 cada um.

Neste trecho nada ha que possa offender a honestidade ou honorabilidade de alguem apenas elle demonstra as boas relações que, até então, existiam entre Martim e Francisco Ignacio, pois que faziam negocios desta natureza, e isto nas proximidades de 23 de Maio, como se deprehende das expressões-acabava de prestar.

Relativamente á escolha que, diz o dr. Piza, fôra feita por José Bonifacio, não passou de uma indicação de nomes, confirmada pelo povo da capital; note-se que não era esta a eleição para a creação dos governos provinciaes, segundo a lei das Côrtes, e por isso disse Feijó : << Eu conheço estes homens desde que se arrogaram o go

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