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A 3 de Janeiro «em consequencia de objectos que deviam ser tomados em consideração, convocou-se sessão extraordinaria, por moção do senhor secretario do interior e fazenda, e poderosos motivos que expoz se revogou a nomeação feita do mesmo senhor secretario para ir á côrte do Rio de Janeiro, nomeandose para esta commissão ao exellentissimo senhor vice-presidente (José Bonifacio).

Assim, pois, fica liquidado o seguinte ponto-a representação que tinha de ser apresentada ao principe, por parte do governo de S. Paulo, foi lida e approvada em 31 de Dezembro, e José Bonifacio ainda nesse dia achava-se em S. Paulo, e assignou a respectiva acta; a 3 de Janeiro, é que elle foi nomeado, em logar de Martim Francisco, membro da deputação que tinha de ir ao Rio de Janeiro; mas já na vespera, a 2, José Clemente tinha pedido audiencia a D. Pedro, a qual foi marcada para o dia 9; José Bonifacio partindo a 4 de S. Paulo não podia estar no Rio antes de 10 ou 12, sinão mais tarde ; os historiadores são accordes em dizer que quando elle foi nomeado ministro, a 16, acabara de chegar de S. Paulo: assim, não foi depois de ter o principe ouvido a palavra cutorizada de José Bonifacio que resolvera ficar no Brasil.

Temos, mais a portaria circular de 17 de Janeiro, a qual diz: «Tendo resolvido S. A. R. o principe regente, no dia 9 do corrente, suspender a sua sahida para Portugal, por entender á vista das differentes representações (1) que se dirigiram á sua real presença, que assim convém ao bem geral dos povos, e ao importante fim da união dos dous reinos: Manda o mesmo augusto senhor, pela secretaria do Estado dos negocios do reino participar esta sua determinação ao governo provisorio de Minas Geraes e remetter o incluso exemplar do termo de vereação da Camara desta cidade, do referido dia, para sua inteira intelligencia.

Não se refere aqui o principe á representação de S. Paulo; no decreto de 26 de Fevereiro, convocando procuradores, é que se lê: Tendo eu annuido aos respectivos votos e desejos dos leces habitantes desta capital e das provincias de S. Paulo e Minas Geraes, etc.>>

A representação de 16 de Fevereiro que o senado do Rio dirigiu ás côrtes, requerendo a derogação dos decretos de 29 de Setembro, diz: «No dia 9 de Janeiro, que o Brasil celebrará sempre como dia regenerador, apresentamos, a S. A. R. o prin

(1) Na capital não houve uma só, mas diversas representações no mesmo sentido e ê como se explica terem recebido 8.00 assignaturas.

cipe regente os votos deste povo, e houve o mesmo senhor por bem annuir a elles, declarando que ficava neste reino, pela fórma que vem expressa no termo de vereaçã, daquelle dia.»

Na carta que o mesmo Senado, a 17 de Fevereiro, dirigiu aos deputados do Rio nas cortes, lê-se:

«Diremos só de facto que, parecendo cortada aquella esperança pelos dous primeiros decretos de 29 de Setembro e pelo outro que extinguiu todos tribunaes deste reino, levantou-se um grito universal, declarado no manifesto deste povo que acompanha, exigindo de nós que requeressemos a S. A. R. o principe regente que suspendesse a sua sahida para Portugual, até nova determinação do soberano congresso, e fazendo, em virtude delle, no dia 9 de Janeiro, a representação ao mesmo senhor, que consta do termo de vereação junto, houve S. A. R. por bem declarar que ficava neste reino.

«Omittimos a expressão extensa das poderosas razões que justificam este passo, porque vossas excellencias as poderão ver na fala, tambem junta, que naquella occasião tivemos a honra de dirigir a S. A. R. o principe regente, pela voz de presidente deste Senado.

a

«S. Paulo e a provincia de Minas Geraes vieram ao mesmo tempo, unidos em sentimentos, e chegaram noticias de que Bahia tem expedido uma deputação egual, que não tardará em chegar e outra se espera de S. Pedro do Rio Grande do Sul.»

Este ponto da nossa historia foi minuciosamente exposto por José Clemente, na Camara dos deputados, em sessão de 14 de Junho de 1841.-Estud. hist. polit. 4" serie.

E' tambem certo que José Bonifacio não foi nomeado ministro para que carregasse com as consequencios do seu patriotico conselho, como diz o dr. Piza; o principe nomeou-o por ter de demittir os ministros que se lhe haviam mostrado adversos nas suas resoluções contra as tropas portuguezas, commandadas por Jorge Avilez, e querer substituir o Ministerio portuguez por outro que fosse b asileiro; José Bonifacio inspirou-lhe confiança, e para o principe era de muita valia ter junto a si um representante da provincia de S. Paulo; nomeou-o, pois, eis o facto. Temos sido prolixo, talvez, mas a historia escreve-se com documentos, e tinhamos necessidade de transcrevel-os, mesmo por serem algus pouco conhecidos; ella procura a verdade, repellindo nole me tangere.

A justiça da historia só apparece depois de calmo e imparcial estudo das acções dos homens, isentas do deslumbramento que lhes emprestam a amizade e o enthusiasmo: o seu melhor monumento é a gratidão dos povos; esta nunca falta, mesmo a es

ses modestos operarios, sem os quaes não se podem fundar e organizar as nacionalidades, que trabalham só em cumprimento do seu dever e satisfacção do seu patriotismo, e que por isso não têm ciume e inveja dos monumentos que a alguns exige a sociedade. José Bonifacio, como todos os promotores da independencia e organizadores da nossa nacionalidade, na gratidão dos brasileiros tinha e tem melhor monumento do que esse que lhe foi erigido na capital do Imperio, e para cuja elevação não foi nem é mister que se procure rebaixar caracteres ou desconhecer o patriotismo de outros, tão bons servidores como elle, mas para cuja exaltação não tiveram a ventura de occupar a posição de ministro ou da alta administração, em 1822.

E. R.

A Bernarda de Francisco Ignacio

I

Sou de opinião que nas narrativas de caracter puramente historico o testemunho de parentes e amigos dos protogonistas è do mais subido valor. Tacito, o mais severo dos historiadores, escreveu extensa biographia do seu sogro; Fernando Osorio escreveu a historia de seu pae, o lendario general que tanto honrou o Brasil nas guerras de 1864-70, e Joaquim Nabuco está nos dando, em Um Estadista do Imperio, o mais bello estudo sobre a personalidade de seu illustre pae e a politica do segundo Imperio.

Porém o folheto que, com o titulo Estudos Historico-Politicos e sub-titulo Os Andradas, appareceu ha pouco mais de vinte annos, é uma publicação anonyma, que não traz o nome nem as iniciaes do seu auctor. Se na primeira publicação, feita no Correio Paulistano, estavam as iniciaes E. R., usadas pelo escriptor, na reproducção em volume essas iniciaes foram supprimidas e nada ficou em seu logar. O jornal, como a sovada rosa de Malherbe, dura sómente um dia e o folheto, que é inteiramente anonymo, foi o que ficou para transmittir ás gerações vindouras as opiniões e os sentimentos de quem o escreveu, relativos aos irmãos Andradas, e todo elle foi evidentemente escripto com o unico fim de deprimir a memoria daquelles pau

listas.

Logo, na primeira pagina, á guiza de prefacio, lê-se o seguinte: «Não nos propomos a um estudo biographico sobre estes illustres cidadãos, mas tão sómente recordar alguns factos historicos dos primeiros annos da nossa independencia politica e lembrar aos esquecidos o papel que representaram, animados pelo seu patriotismo e cmor á liberdade.»

Estas palavras gryphadas, logo nas primeiras linhas do folheto, são muito suggestivas e de sobejo indicam qual foi o es

pirito que dictou a obra toda, que é um verdadeiro libello accusatorio contra os Andradas. Termina o prefacio com as seguintes palavras:

<< Pois bem: Ledo, Evaristo e Feijó dir-nos-ão o que foram os Andradas, hoje tão endeosados como patrioticos democratas dedicados aos principios das liberdades publicas.»

Estes novos gryphos vêm completar as suggestões dos anteriores e o periodo todo patenteia, á saciedade, quaes eram as disposições de espirito do auctor quando escreveu o folheto em questão. Pois quem pretende, sem parti pris, fazer o processo dos Andradas e chegar á verdade historica vai logo, antes de tudo o mais, buscar os testemunhos de Gonçalves Ledo, de Evaristo Veiga e, sobretudo, de Feijó, seus mais figadaes inimigos politicos e pessoaes?

Não; o folheto Os Andradas, como o tenho deante dos olhos, é um livro anonymo eve-se que, tendo sido publicado em 1880, quando o partido liberal subia ao poder fora das regras parlamentares e havia odios contra o presidente Baptista Pereira e o seu partido, é mais um livro de combate do que um repositorio de informações historicas uteis para imparcial historiador.

Dizendo o cidadão E. R. que, quando publicou esse folheto, eram vivos Martim Francisco e José Bonifacio, filhos do velho José Bonifacio, nenhuma contestação appareceu e, por isso, acredita que as accusações são veridicas, commetteu s. s. mais um erro de historia e chegou a mais uma falsa conclusão.

Martim Francisco e José Bonifacio, que estavam vivos em 1880, eram filhos do velho Martim Francisco e nào de José Bonifacio e, se não contestaram os factos de que seu pae e avô eram accusados, não foi porque concordassem com a sua veracidade, mas sim porque tinham formado o proposito de não levantar a luva e deixar que a posteridade agradecida fizesse justiça aos seus progenitores.

Elles não acreditavam no aphorismo de um certo politico, que «é verdade tudo quanto não é contestado» e, por isso, não se propuzeram a contestar o que, então, se disse dos seus antepassados, sem que, comtudo, dahi se possa concluir que «quem cala consente». Alguns da familia ainda estão vivos e, comquanto estejam guardando silencio, sei de conhecimento proprio que não estão de accordo sobre a verdade daquellas accusações.

Vou reproduzir e analysar o seguinte trecho da carta do coronel Francisco Ignacio, por ser importante:

«Appareceu, entretanto, uma pequena noticia de que o batalhão de caçadores tentava depor do governo esses dous intrusos;

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