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SECÇÃO XLIX.

PARTIDA DA CÔRTE PARA O BRAZIL. SITUAÇão deste paiz.

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Chegou a final, para bem do Brazil, a hora em que um sol-
dado feliz, filho da Corcega e da revolução, enfreou esta
com o prestigio do genio; depois de haver vencido exercia
tos inimigos, na falda dos Alpes, nas margens do Pó e jun-
to ás pyramides de Egypto. O audaz Corso esmagou a hydr,
da anarchia, impoz a lei a quasi todo o continente europeu-
e chegou a cingir na frente a coroa de Carlos Magno, e a
ser até ungido pelo Summo Pontifice. A ambição do he-
ro2, rival dos feitos de Alexandre o grande e de Julio Cesar,
não tinha barreiras. Livre, pela paz de Tilsitt, dos receios
do norte, ideou fazer voar as aguias vencedoras até os con-
fins da Europa occidental; e encontrou facil a realisação do
plano, fiado na prostração e intrigas da côrte de Madrid e
na hesitação e temores da de Lisboa. E em quanto reunia
para a invasão forças em Bayona, de accordo com a Hespa-
nha, impunha a Portugal a clausula de começar por fechar
os seus portos aos Inglezes '.

Desde logo a côrte portugueza reconheceu que só no
aquem-mar podia buscar refugio contra os perigos que via
imminentes. O Regente, de accordo com os seus ministros e
conselheiros d'Estado, deliberou primeiro salvar a dynastia
e o Brazil, enviando a este paiz o principe D. Pedro, seu au-

1 Para fomentar o espirito publico de
Portugal contra os Inglezes, se publi-
cou ainda em 1808, em Madrid (Imp.
de D. Tomas Alban) um curioso tomito

de 161 pags. in-12.o, intitulado: Profe-
cia politica verificada en lo que está suce-
diendo á los Portuguezes por su ciega af-
cion á los Ingleses.

PROJECTOS DE NAPOLEÃO. CONDESTAVEL DO BRAZIL. PROCLAMAÇÃO.

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XLIX.

gusto herdeiro, que então apenas contava nove annos in- SEC.
completos. Para o que chegou no dia 2 de outubro de 1807,
a redigir-se a seguinte proclamação aos Brazileiros:

Fieis vassallos, habitantes do Brazil! - Desde o prin-
cipio da minha regencia existiu inalteravel em meu coração
o mais ardente desejo de dar-vos reiteradas provas da mi-
nha estimação e paternal affecto; tempos calamitosos po-
rém me não permittiram manifestar-vos toda a sua exten-
são. Nas vicissitudes politicas da Europa vós vos unistes
sempre aos outros meus vassallos, mostrando em todo o
sentido o zelo o mais puro e concorrencia a mais efficaz
para a manutenção da monarquia portugueza. Em tão cri-
tica conjunctura vos quero dar um claro testemunho do meu
estremoso affecto, offerecendo á vossa tão antiga como ex-
perimentada lealdade a occasião a exercerdes com pessoa
que me é summamente cara e amada, e para com quem es-
tou certo me acompanharão os vossos animos em sentimen-
tos de maior ternura. Sendo do meu real dever não aban-
donar senão em ultimo extremo vassallos descendentes,
como vós, daquelles que pelo seu valor e á custa do pro-
prio sangue restauraram o throno aos meus augustos pre-
decessores, vos confio o principe meu primogenito, em que
espero que pelo decurso do tempo achareis a herança, que
já em seus ternos annos principiei a transmittir-lhe, da mi-
nha particular affeição para comvosco. Vós o deveis reco-
nhecer com o novo titulo de Condestavel do Brazil, que hou-
ve por bem crear, e conferir-lhe, afim de alliar melhor os
interesses da Coroa com os vossos proprios, contribuindo
deste modo para a prosperidade geral dessa vasta e pre-
ciosa região.

» Fieis vassallos, habitantes do Brazil! Eu prevejo com
intima satisfação quão dignamente sabereis avaliar tão que-
rido e estimavel penhor: guardai-o, defendei-o, com aquel-
la honra e valor que vos é innato na qualidade de Portugue
zes.-Palacio de N. S.a d'Ajuda em 2 de outubro de 1807.»

Em quanto porém se davam secretamente providencias
para a partida do joven D. Pedro, chegavam noticias de Fran-
ça, pelas quaes se conhecia que os successos se precipitavam
de mal a peor. Em 27 do proprio mez de outubro assignava
o plenipotenciario hespanhol, em Fontainebleau, um trata-
do em virtude do qual o reino de Portugal seria retalhado,

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XLIX.

TRATADO DE FONTAINEBLEAU.

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PARTIDA DA Côrte.
SEC. ficando ao ambicioso principe da Paz os Algarves, e dispon-
do-se que o Brazil e mais colonias portuguezes seriam ulte-
riormente divididas entre a França e a Hespanha. Ja antes
de assignar-se esta pérfida usurpação, as aguias francezas
haviam devassado os Pyrineos e atravessavam a Hespanha,
que caro pagou tanta aleivosia do seu governo. Pede a jus-
tiça que não esqueçamos de mencionar que o mesmo Bra-
zil, de cujos destinos no tratado se dispunha tão sem ceri-
monia, havia ainda no anno anterior prestado em seus por-
tos asylo a uma esquadra imperial, e honras de principe ao
chefe Jeronymo Buonaparte. Em vista dos novos suc-
cessos já não havia que hesitar; uma vez que nada se pre-
veníra a tempo para resistir a uns seis mil homens de tro-
pas francezas, que já avançavam a marchas forçadas, ás
ordens de Junot, pelo territorio portuguez, e que, cança-
das como vinham, facil houvera sido derrotar, com for-
ças inferiores disciplinadas. Na sexta feira 27 de novembro,
pelas onze horas da manhã, se embarcou pois o regente
com toda a real familia., e no domingo 29 pela manhã se
fez de vela para o Brazil com uma esquadra de sete náos,
cinco fragatas, dois brigues e duas charruas, além de mui-
tos navios mercantes da praça, que partiram na mesma
manhã; pois os que esperaram para a tarde foram ja impe-
didos de sair, pelo influxo das autoridades francezas, cujas
tropas entraram no dia seguinte.

Uma nova era vai abrir-se para o Brazil: em vez de co-
lonia ou de principado honorario, vai ser o verdadeiro cen-
tro da monarchia regida pela caza de Bragança; e para nós
daqui começa a epocha do reinado, embora o decreto de
elevação a reino só veiu a ser lavrado em fins de 1815.

E agora em quanto os principes e toda a real familia bri-
gantina navegam atravez do Atlantico, tratemos de dar uma
ligeira idea da situação em que se achava o Brazil, em ge-
ral, e cada uma das capitanias em particular, na epocha
em que verdadeiramente se romperam, segundo a fraze
vulgar, os grilhões coloniaes.

O Brazil todo contava então escaçamente uns tres milhões
de habitantes, dos quaes quasi a terça parte eram escra-
vos. A sua exportação se reduzia: 1.° á do assucar, pelo

1

↑ Compare-se a pag. 136, que differença em menos de um seculo.

SITUAÇÃO DO BRAZIL. SUAS RENDAS, PRODUCÇÕES, ETC.

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XLIX.

299 menos do Rio nove mil caixas, da Bahia vinte mil, de Per- SEC. nambuco quatorze mil, e de Santos mil:- 2.° Setenta mil sacas de algodão, sendo quarenta mil de Pernambuco; deseseis mil do Maranhão, dez mil da Bahia, e quatro mil do Pará e Rio; 3.o noventa e tantas mil arrobas de caffé, quasi todo produzido no Pará, pois do Rio de Janeiro apenas se contavam tres mil e duzentas arrobas; 4.° oitocentas e tantas mil arrobas de cacáo; 5.° duzentos e quarenta mil couros de boi; 6.° cem mil sacas de arroz; 7.° cinco mil e seiscentas arrobas de anil; além do tabaco de fumo, do páu da tinturaría e madeiras de construcção, alguma salsaparrilha, copahiba, goma e outros artigos de menos monta. O ouro cobrado no seculo anterior, em virtude do tributo do quinto, montava a seis mil arrobas, o que attendendo-se ao contrabando constante, faz crer que só do Brazil haviam passado para a circulação universal talvez perto de dez mil quintaes, ou mais de sessenta milhões de libras esterlinas de ouro. Os diamantes, extraidos das minas até então, poderiam juntos pezar arriba de tres quintaes.

Entre os supramencionados artigos de industria agricola produzidos no Brazil não se conta a farinha de mandioca, que bem como o milho e legumes se consummiam todos no proprio paiz. Da uva não se fazia (nem se faz ainda) vinho; porque além de se aproveitar como fructa a pouca que se cultivava, nos paizes humidos maturam os bagos de seus cachos com tanta irregularidade, que quando uns luzem por maduros, outros são verdadeiro agraço.

Isto sem contar a circumstancia de que a metropole não protegeria tal fabrico, pois chegára, seculo e meio antes, a desproteger o do vinho do mel e cachaça, e talvez o aperfeiçoamento dos liquores que já os proprio Indios selvagens obtinham dos ananazes, cajús e outros fructos, de que se poderia até obter vinho como o de Champagne. Dos castanheiros, nogueiras, carvalhos, amendoeiras, e oliveiras da Europa apenas um ou outro pé se chegou a plantar. O mesmo dizemos das amoreiras, cuja cultura alias então era mui favorecida na metropole, como propria a alimentar os bombices que dão a seda, enriquecendo tantos paizes de clima por certo que menos regular e apropriado de que o nosso.

An. do R. de Jan. 1, 195, e tambem no map. 1.o

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XLIX.

VACCINA. AGRICULTURA E COMMERCIO.

SEUS VEXAMES.

SEC. Em compensação cumpre dizer que não deixou a côrte de promover desde 1797, com todo o empenho a propagação do feliz invento da vaccina, e que deu ao mesmo tempo ordens para que se levantasse em todas as capitanias o maior numero possivel de cartas corographicas.

O trigo se cultivou pouco, e deu geralmente mal, tendo as seáras contra si, não só a abundancia dos passaros, como principalmente a das formigas, que são a verdadeira praga de que, em troca de tantos dons, se veem assolados estes campos, impossibilitando-os de ambicionarem vir a ser o celleiro do universo, em quanto se não descubram meios efficazes de dar de todo cabo dellas. Um destes meios sería sem duvida a propagação dos tamanduas ou papa-formigas, com posturas delles protectoras, analogas ás que ha em muitos municipios da Europa contra os vorazes lobos e os pardaes damninhos e em pró das beneficas perseguidoras das viboras, -as cigonhas, a cujos ninhos nas torres das igrejas presta o povo um culto quasi religioso. Oxalá houvera sido tão possivel inventar tambem meios para guerrear os morcegos, em alguns districtos tão fataes aos gados, como a formiga ás plantas e o mosquito á gente.

A lavoura e o commercio do Brazil em geral experimentavam ás vezes oppressões causadas pelas mesmas corporações ou leis que se haviam creado ou promulgado para protegel-o ou fomental-o. As camaras, com officiaes interessados e saidos de eleições mais ou menos sofismadas, cuidavam do seu e dos seus, mais que dos interesses do concelho; pouco melhoravam os caminhos, as pontes, os rios e os caes; e a pretexto de evitar escacezas ou fomes, não deixavam ás vezes vender para fóra os generos alimenticios. Nas mezas de inspecção, os dois eleitos pela lavoura e pelo commercio eram em certos casos de si proprios juizes e parte. Por outro lado havia pouca liberdade no commercio interno. Para acudir a certos abuzos se tinham prohibido os commissarios volantes, atravessadores e revendedores; que eram, para os lavradores, os corretores ou negociantes mais commodos; pois sem elles se viam obrigados a confiar os generos ás casas de commissão nos portos de embarque. Para evitar a fome que tivera logar alguns annos, se havia disposto que os lavradores fossem constrangidos a fazer plan1 Alv. de 25 fev. 1688, e 27 fev. 1701, e prov. de 28 de abril de 1767.

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